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Áudio vazado revela que visita de Reem Alsalem em 2023 ao Brasil foi “adiada indefinidamente” devido a suposta “transfobia”

Tradução da matéria de Andreia Nobre para a publicação feminista americana 4W.Pub


Relatora da ONU busca esclarecimentos sobre visita cancelada de 2023, agendada em resposta à lei de Alienação Parental de 2010


A Relatora Especial das Nações Unidas sobre violência contra mulheres e meninas, Reem Alsalem, recorreu às redes sociais no dia 8 de maio para pedir esclarecimentos ao governo brasileiro sobre o cancelamento de sua visita ao país em 2023. Alsalem foi informada da existência de uma gravação de áudio obtida durante um ciclo de palestras na UnB (Universidade de Brasília) em agosto do ano passado. No áudio, é possível ouvir uma assessora do Ministério da Mulher para assuntos LGBT, Maria Luísa (Malu) Aquino, dizendo que o governo brasileiro adiou “indefinidamente” a visita da Relatora da ONU por sua posição “anti-trans”. A Relatora Especial da ONU tuitou que, se isso fosse verdade, a informação revelada seria “preocupante”.


Em nota para a 4W, Alsalem disse:


“A missão permanente do Brasil junto às Nações Unidas em Genebra e eu estamos programados para nos encontrarmos, onde pretendo buscar esclarecimentos”. Após o cancelamento em 2023, a Relatora Especial da ONU declarou à Gazeta do Povo que uma nova data de visita foi proposta para 2024, a qual ela estava disposta a aceitar. Em declaração à 4W em maio de 2024, porém, Reem Alsalem disse que ela informou ao governo brasileiro, em janeiro passado, que não iria mais realizar nenhuma visita ao país. “Não considero que estejam reunidas as condições para que a minha visita seja bem sucedida. É lamentável, pois visitar o Brasil foi e continua sendo uma prioridade para mim como relatora, dada a situação das mulheres e meninas no país.”


A gravação de áudio vazada foi postada originalmente pela ativista brasileira Nine Borges em seu Instagram. No áudio, legendado aqui em inglês pela associação MATRIA, a assessora Malu Aquino diz que um integrante do ANTRA, (grupo brasileiro para pessoas trans), que adotou o nome “Bruna” [Benevides], é o seu “ponto focal dentro do movimento de mulheres trans”. Aquino continua: “A gente dialogou bastante no quesito que a gente teve agora, tem uma relatora internacional da ONU, a Rian Salem, ela estava com uma visita marcada para o Brasil e o MRE, que é o Ministério de Relações Exteriores, estava fazendo essa articulação com os ministérios.”


Malu Aquino afirma a seguir que “o Brasil não pode se negar a receber [relatores da ONU]. Nós temos uma carta aberta para todos os relatores da ONU.” No entanto, ela disse que a Ministra da Mulher, Aparecida Gonçalves, teve acesso a informações sobre a atividade de Alsalem nas redes sociais, e que a Relatora da ONU estava “retuitando… páginas de extrema-direita que falam de liberdade de expressão” em um “formato da extrema-direita com um discurso anti-trans”. Em seguida, ouve-se a assessora dizer que a Ministra da Mulher pediu o adiamento da visita de Alsalem ao Brasil.


“O perfil daquelas mulheres, desse grupo que estava nessa reunião online… me assustou”.

A 4W obteve acesso ao áudio completo e, segundo Aquino, houve uma reunião online em 2023 com um “grupo de mulheres radicais”, que ela descreveu como “um dos momentos mais tensos” que teve dentro do ministério. Ela é ouvida a seguir dizendo: “O perfil daquelas mulheres, desse grupo que estava nessa reunião online… me assustou”. Malu Aquino então diz que esses “grupos de mulheres radicais” são os culpados por “dificultarem” o trabalho do Ministério da Mulher. “Hoje, tratar com esses grupos de feministas radicais… acaba atrasando muito o trabalho do ministério [com pedidos de LAI (Lei de Acesso à Informação) ou agendamentos com o Ministério das Mulheres]... Mas é um dos grandes desafios que a gente tem”, mencionando ainda que o Ministério da Mulher recebeu cerca de 20 pedidos de informação pública após o escândalo do cancelamento da visita de Reem Alsalem.


Maiara Silveira, representante da MATRIA, disse à 4W que a organização está trabalhando para identificar a causa do cancelamento da visita. “Pelo áudio”, disse Silveira, “parece que foi Bruna Benevides (da ANTRA) quem mostrou a ela/ao Ministério os tuítes que consideraram transfóbicos, resultando no adiamento ‘indefinido’ da visita de Reem Alsalem ao Brasil.”



Desde a sua criação, em julho de 2023, Silveira disse que a MATRIA solicitou diversos LAIs ao Ministério da Mulher, como por exemplo sobre a definição de “quem é considerado 'mulher' para fins de políticas públicas”, além de uma explicação sobre o motivo do cancelamento da visita da Relatora Especial ao Brasil e quando seria remarcada. Também foram enviados pedidos de esclarecimento sobre porque o Brasil não se apresentou ao Comitê da CEDAW quando foi chamado para falar sobre a Lei de Alienação Parental e denúncias a respeito da perseguição às mulheres por ativistas trans.


No dia 26 de janeiro de 2023, menos de um mês após a criação do Ministério da Mulher, representantes da ANTRA se reuniram com Aparecida Gonçalves, Ministra da Mulher, para entregar um dossiê denominado “Assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiros”. As alegações deste dossiê, no entanto, foram refutadas pela MATRIA, no relatório denominado “Falsas afirmações sobre a população autodeclarada trans no Brasil”, publicada em março passado.


Um Ministério da Mulher que “se recusa a falar com as mulheres”


No final de abril de 2024, o Ministério das Mulheres criou um novo grupo de trabalho para combater a violência política contra as mulheres, e escolheu um integrante da ANTRA, um travesti que adotou o nome Bruna Gurgel Baptista, como um dos representantes. Nine Borges, a ativista que primeiro compartilhou publicamente o áudio vazado, postou a lista completa em seu Twitter, comentando sobre o novo grupo de trabalho que a Ministra da Mulher “se recusa a dialogar com mulheres”.


“A ONU deveria investigar minuciosamente por que o Ministério da Mulher do Brasil se recusou a receber um de seus representantes.”
“A Relatora Especial da ONU sobre Violência contra Mulheres e Meninas, Reem Alsalem, deveria visitar o Brasil para discutir as questões em torno das políticas de autoidentificação e como elas impactam os direitos das mulheres e meninas, aumentando as chances de colocar sua segurança em risco,” Borges disse à 4W.

A ativista considera que a assessora do Ministro, Malu Aquino, “confirma [no áudio] que a Ministra Aparecida Gonçalves cancelou a visita de Reem Alsalem baseando-se nas opiniões críticas [de Reem Alsalem] sobre autoidentificação de gênero e identidade de gênero”.



Borges disse que a “abordagem correta” deveria ter sido um “debate equilibrado que incluísse ideias plurais” e que a “posição ideológica” da Ministra mostrou a intenção de silenciar e “alienar as mulheres da verdade, não lhes proporcionando a oportunidade de aprender e compreender as sérias implicações de permitir que os homens entrem nos espaços das mulheres.”


Borges continua:


“Logo após cancelar a visita oficial de Reem Alsalem, o Ministério é visto assumindo uma posição ideológica pública sobre o assunto, convidando a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) a ocupar um lugar na mesa de decisão. Ao mesmo tempo que se recusa a definir o que é uma mulher e se recusa a dialogar com as mulheres, o Ministério homenageia e dialoga com uma Associação que falsifica dados, espalha notícias falsas, engana as mulheres e, mais importante, cujos membros não são mulheres. O Brasil tem uma relação oficial com a ONU, portanto, a ONU deveria investigar minuciosamente por que o Ministério das Mulheres brasileiro se recusou a receber uma de suas representantes. A ONU não deveria deixar isso passar.”

Visita oficial sobre alienação parental foi articulada antes de polêmica nas redes sociais, diz coletiva brasileira


Aquino também afirmou no áudio que a visita da Relatora Especial da ONU “vinha maquiado [como] uma relatora de mulheres que trabalhava a lei de alienação parental”. No entanto, o Coletivo de Proteção à Infância Voz (CPI Voz Materna) contesta esta afirmação - a organização afirmou à 4w que uma denúncia de mulheres à CEDAW sobre a lei de alienação parental foi enviada em 2020. A denúncia foi aceita, o governo brasileiro foi questionado e o CPI Voz Materna enviou um Relatório Sombra à ONU em 2021.


Sibele Lemos, representante do Voz Materna, disse que após o envio do relatório, houve um apelo para que mães enviassem denúncias de seus casos de violação de direitos por meio da Lei de Alienação Parental à relatora especial da ONU, Reem Alsalem, em 2022. O grupo então contactou Alsalem, que realizou duas reuniões online com mães brasileiras. A Relatora da ONU enviou uma carta ao recém-eleito presidente brasileiro, Luis Inácio Lula da Silva, pedindo para revogar a Lei e banir o termo. “Esta carta até hoje não foi respondida”, disse Lemos, mas uma visita da Relatora Especial foi marcada para julho de 2023.


Outra colaboradora da CPI Voz Materna, Ivana Moura, disse que o cancelamento da visita foi “um entrave para o avanço das discussões sobre as violações dos direitos fundamentais de mulheres e crianças brasileiras no que se refere ao uso da LAP e AP no judiciário”, e que o Ministério das Mulheres, inclusive, passou a “evitar as coletivas que atuam na luta pela Revogação da Lei”.


Moura lembrou que, em 2023, o Ministério das Mulheres teve uma reunião online com um grupo que advoga abertamenta pelos direitos das mulheres baseados no sexo, o Raízes Feministas, que supostamente seria o “grupo de mulheres radicais” a quem a assessora Malu Aquino se referiu no áudio.


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