Todo ano, ouvimos o mesmo argumento de que "O Brasil ocupa o topo dos assassinatos trans do mundo", utilizado de forma estratégica para interromper qualquer debate sobre as ameaças que as políticas de identidade de gênero representam para os direitos e a segurança das mulheres e das crianças.
A partir dessa afirmação inequivocamente falsa, construiu-se uma prática de vitimização, de chantagem emocional por meio do apelo à socialização feminina para a maternagem e de normalização do ódio contra as mulheres. Dessa forma, a mensagem transmitida é que se, frente a tal “estatística”, você for “má” o suficiente para seguir insistindo no debate, você merece o ostracismo social, a perda de sua fonte de renda e qualquer violência recebida.
Em 2024, não está sendo diferente. A falácia apenas foi atualizada, afirmando que a situação já se mantém há 16 anos.
A fonte da afirmação é uma “pesquisa” feita pela Transgender Europe (TGEU), que nada mais é do que uma ONG dedicada ao avanço das políticas de identidade de gênero (e, portanto, não produz dados oficiais) cujo principal financiador é a União Europeia. A ONG lançou esse mês de novembro seu relatório anual de mortes de pessoas autodeclaradas trans. É a partir dele que organizações brasileiras dedicadas à promoção do transgenerismo estão, mais uma vez, espalhando a fake news que convém à sua narrativa e seus objetivos políticos.
Uma primeira observação digna de nota é que a chamada do relatório de 2024 menciona "5.000 casos", dando a impressão, enganosa, de que este seria o número de assassinatos no último ano. Longe disso, trata-se do total reportado desde o início do projeto, ou seja, entre 2008 e 2024 (16 anos).
Após muita pesquisa e diálogo com especialistas em estatísticas, a MATRIA lançou, em janeiro de 2024, um relatório que demonstra todas as fragilidades dos dados e da metodologia utilizados pelo TGEU. A começar pelo fato de que o número de mortes é contabilizado a partir de fontes não oficiais (em geral, matérias de jornais online), são contabilizados assassinatos com motivações variadas (como briga de gangues e por ponto de prostituição) e até mesmo mortes naturais como se todos fossem "crimes de ódio". Em diversos casos, não é possível nem ao menos confirmar que a pessoa falecida se declarava trans, entre outros problemas, como em um caso onde uma pessoa viva é contabilizada.
Outro problema metodológico, também apontado pelo relatório da MATRIA, é que ONGs de apenas 38 países, dos 193 existentes, reportaram dados ao TGEU. Ou seja, não se trata de fontes com dados globais. Portanto, não se pode inferir qual seria "o país que mais mata trans no mundo", dado que o site não traz números para 80% dos países do mundo. Nesses 80% estão incluídos regimes ditatoriais e países que notoriamente perseguem a população LGB, sujeita inclusive à pena de morte como, por exemplo, Arábia Saudita, Sudão e Rússia. É plausível supor é que estes países são mais violentos com aqueles autodeclarados trans do que países onde há ONGs organizadas o suficiente para enviarem dados ao TGEU.
No entanto, como é a partir destes dados que as organizações brasileiras dedicadas à promoção do transgenerismo fazem o alarde que fazem, utilizaremos o que se encontra no relatório 2024 do TGEU para nossa análise. E, para fins didáticos e com o objetivo de analisar o relatório de 2024, vamos supor que os números publicados são fidedignos.
Nosso ponto de partida são os 350 assassinatos reportados para o último ano, para o conjunto dos 38 países que enviaram informações.
Primeiramente, todo e qualquer assassinato é uma tragédia, independente do motivo, e deve ser repudiado. Mas o tom alarmista utilizado pelo transativismo, que por vezes chega a falar em coisas como "genocídio trans", certamente não encontra respaldo nesses números.
Em relação ao Brasil especificamente, que as organizações de promoção ao transgenerismo insistem em dizer ser "o país que mais mata pessoas trans no mundo", o número de assassinatos reportados ao TGEU para o último ano foi de 106 mortos. É o maior número absoluto dentre os que foram reportados ao site, o que, segundo o próprio TGEU se deve, em parte, "à presença de sistemas de monitoramento bem estabelecidos" por "redes robustas de organizações trans e LGBTI".
No entanto, é um erro metodológico utilizar números absolutos para comparar taxas de assassinatos entre os países. O número absoluto precisa ser contextualizado em relação à população total de cada país. Índices de violência, especificamente, costumam ser calculados apontando o número de mortes para cada 100.000 habitantes.
Assim, utilizando o número de homicídios de pessoas autodeclaradas trans no site da TGEU em relação às populações totais dos 38 países que reportam os dados, o Brasil fica na 8ª posição no ranking. Bem longe, portanto, de ser “o país que mais mata pessoas trans no mundo”.
Como não há dados oficiais sobre o número de habitantes autodeclarados trans no Brasil, utilizaremos a estimativa frequentemente utilizada pelas próprias organizações de promoção ao transgenerismo, de que este grupo representa 1,88% da população geral.
Considerando, portanto, 106 assassinatos para uma população estimada em 3.817.918, temos uma taxa de homicídio de 2,8 pessoas assassinadas a cada 100.000 pessoas autodeclaradas trans.
O mesmo cálculo, feito para a população geral do país e utilizando dados oficiais do Anuário Brasileiro de Segurança Pública e do IBGE, indica uma taxa de homicídios de 22,8 pessoas assassinadas a cada 100.000 habitantes.
Também é possível traçar comparativos com os dados da população feminina. No último censo do IBGE, realizado em 2022, contabilizaram 104.548.325 mulheres no Brasil. Para 2024, o Anuário de Segurança Pública contabilizou 3.930 homicídios envolvendo vítimas do sexo feminino. Dessa forma, a taxa de homicídio é de 3,8 para cada cem mil habitantes.
Os números de assassinatos de pessoas autodeclaradas trans teriam que estar subnotificados em mais de 8 vezes para que sua taxa de homicídio fosse equiparada à da população geral. Portanto, podemos afirmar com total segurança que pessoas autodeclaradas trans estão tão ou mais seguras quanto a média da população brasileira no que diz respeito a assassinatos e estamos muito longe de estarmos presenciado um genocídio ou um massacre contra essa população.
Em outras palavras, mesmo utilizando os dados inconsistentes sobre números de assassinatos, quando aplicamos a metodologia correta de pesquisa, não é possível concluir que a população autodeclarada trans está especialmente vulnerável no Brasil.
Por que, então, estamos sendo constantemente caladas sob a chantagem emocional de que pessoas trans são tão vulneráveis que devemos acolhê-las em todos os nossos espaços, sem questionamentos?
Diante de dados fidedignos e oficiais que comprovam sem sombra de dúvida a situação das mulheres na sociedade e as violências objetivas que sofremos até hoje, por que instituições, governos, mídia e boa parte da opinião pública preferem a narrativa fictícia de que existe um grupo majoritariamente composto por homens que magicamente se torna mais vulnerável do que as próprias mulheres ao declararem que possuem uma "identidade de gênero feminina" subjetiva?
É cada vez mais evidente que vivemos em uma sociedade que, a despeito de toda a retórica, não apenas sabe perfeitamente o sexo de cada indivíduo, mas decide deliberadamente se colocar ao lado dos homens e endossar sua narrativa fictícia enquanto desacredita e penaliza mulheres por apontarem a realidade.
Mas uma mentira, não importa quantas vezes seja repetida, não se torna verdade. E nós continuaremos a denunciá-la.