O incrível caso de um inglês aprisionado no corpo de um brasileiro
- MATRIA
- 7 de abr.
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Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield ocupou o noticiário brasileiro e inundou a internet de memes nos últimos dias.
Na verdade, Edward era apenas um delírio de José Eduardo Franco dos Reis – nome verdadeiro do sujeito, como nos explicaram repetidas reportagens em praticamente todos os veículos de imprensa. Soubemos ainda que uma crise de identidade acometeu o cidadão brasileiro que fraudou um documento de dispensa do exército ainda na década de 1970. Desde então, seguiu sustentando uma farta documentação falsa e a história de que era descendente de bem-nascidos do Velho Mundo.
Com o nome fictício, Edward passou no vestibular de direito de umas das mais concorridas universidades do país – a saber, USP – na ampla concorrência. Formou-se advogado. Tempos depois, prestou concurso, na ampla concorrência, para o cargo de juiz. Foi aprovado. Por mérito, o juiz de nome estrangeiro assumiu a coordenação da Escola do Tribunal de Justiça de São Paulo em outubro de 2005. Aparentemente, seguiu uma carreira exitosa sem grandes tropeços. Aposentou-se.
Recentemente, o registro geral impresso de Edward – aquilo que chamamos de documento de identidade – foi extraviado. O aposentado – que não renunciava a um bom chá, sempre às 5, dizem as más línguas – achou que não teria grandes problemas em emitir um novo documento. Descobriu que não era bem assim. Num mundo onde impera o cruzamento de dados, com leitura de digitais, de íris, entre outras biotecnologias, a identidade autoproclamada foi golpeada pela identidade real. Agora, o juiz José Eduardo aparece nas páginas policiais. Falsidade ideológica. Tudo indica que o seu grande pecado foi nascer inglês, aprisionado no corpo de um brasileiro.
Tivesse nascido uma mulher, aprisionada no corpo de um homem, o sujeito não precisaria falsificar nada: mudaria seu nome e sexo no registro de nascimento sem grandes dificuldades. Não precisaria se expor a um vestibular de ampla concorrência, pois teria sua cota garantida. Tornar-se-ia, então, a primeira mulher trans a ocupar um cargo de juiz. E, pelo grande feito, estaria nas capas dos jornais. Teria acesso à licença maternidade (como no precedente do ex-vereador transidentificado de Belo Horizonte, que hoje atua na câmara federal).
Aliás, se quisesse experimentar a corrida eleitoral, poderia dispor das cotas instituídas exclusivamente para as mulheres nos partidos políticos. Provavelmente conseguiria se aposentar mais cedo. Uma vida bem vivida, com muitos likes nas redes sociais. E, principalmente, uma vida sem crimes – exceto todos esses mencionados contra as conquistas das mulheres. Mas, como diria Edward: who cares?