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Terapia no mundo real: terapia centrada no paciente e perspectivas críticas de gênero

Artigo referente reflexão sobre a atuação de psicologos críticos de gênero no Reino Unido.

A liberdade de atuação do psicólogo e da realização de terapia de base exploratória no Brasil igualmente se encontra em restrição ou mesmo criminalização.

Tradução de Andrea Nobre para a MATRIA


A Person-Centred Association (associação com abordagem centrada no paciente), uma das principais organizações de tratamento psicológico que promovem essa modalidade específica, publicou recentemente uma declaração a respeito da perspectiva de que a PCA (person-centred approach) era antitética às perspectivas críticas de gênero. Peter Jenkins discorda dessa postura e dos argumentos usados para defendê-la.


Terapia no mundo real: terapeuta responde à alegação de que "uma abordagem centrada na pessoa é antitética às perspectivas críticas de gênero".


O artigo recente da GSRD Communities of Practice (2025), afirmando que "uma abordagem centrada na pessoa é antitética às perspectivas críticas de gênero", trazem alarmante evidência da contínua fragmentação e declínio de uma forma de tratamento psicoterapêutico outrora respeitado no Reino Unido, a saber, a abordagem centrada na pessoa. O artigo faz uma série de alegações, como a de que gênero é uma construção, e que terapeutas trabalham com construções o tempo todo de qualquer maneira; que os terapeutas devem afirmar seus clientes trans, que são os especialistas em suas próprias vidas; que nosso trabalho não é tentar consertar os clientes; que a taxa de suicídio de pessoas que se identificam como trans está aumentando; que os psicoterapeutas não devem praticar terapia exploratória, que é semelhante à terapia de conversão (ou “cura gay”), que é, em qualquer caso, proibida pelo Memorando de Entendimento sobre Terapia de Conversão (MOU); e que o máximo que pode acontecer a um psicoterapeuta é que eles se tornem ativistas nessa causa.


Essas alegações são bastante equivocadas. Primeiro, como um psicoterapeuta crítico de gênero, eu concordaria que nosso trabalho não é consertar clientes trans, seja lá o que isso signifique, mas oferecer engajamento em um processo terapêutico, que pode ter vários resultados diferentes para esse cliente. A alegação de que o cliente é o especialista em si mesmo está aberta a questionamentos dentro desse processo, dado que o cliente pode estar em grande sofrimento, estar profundamente incongruente ou pode não estar reconhecendo totalmente alguns aspectos chave de sua própria experiência. O terapeuta terá sua própria experiência e percepções da experiência e do processo do cliente. O objetivo aqui não é consertar o cliente, mas ajudá-lo a estar aberto a outras percepções, incluindo algumas possivelmente rejeitadas no momento.


Trabalhando com construções sociais?


O ponto principal em questão aqui é sobre trabalhar com construções. Sim, gênero é uma construção, assim como sexo, dinheiro e assim por diante. Qualquer conceito ou ideia é uma construção. No entanto, a maneira mais precisa de enquadrar a questão no trabalho com clientes trans não é sobre gênero como tal, mas sobre identidade de gênero, que é uma coisa muito diferente. Não sabemos o gênero do cliente, embora possamos ter uma noção inicial dele a partir de sua vestimenta, aparência física e timbre de voz. A identidade de gênero é considerada o próprio senso interno do cliente de seu gênero, que pode ou não corresponder ao seu sexo biológico.


O terapeuta pode ser informado sobre a identidade de gênero do cliente, mas apenas se o cliente escolher revelá-la. No entanto, a identidade de gênero é simplesmente uma crença, independentemente de quão fortemente essa crença possa ser mantida pelo cliente. Como terapeuta, não tenho a menor obrigação de aceitar, concordar ou afirmar a autoconfiança do cliente, da mesma forma que eu não teria essa obrigação se o cliente revelasse que outras pessoas estão sempre falando secretamente sobre ele no ônibus, ou que acredita que o mundo está prestes a acabar, ou que acha que merece ser severamente punido por seu parceiro ou pai coercitivo. Não há critérios para definir uma identidade de gênero, nenhuma prova de sua existência na realidade e nenhuma maneira de saber quantas identidades de gênero podem ou não existir. A identidade de gênero é simplesmente uma crença, que o terapeuta, centrado na pessoa ou não, não é eticamente obrigado a endossar.


Sim, e aí vem a resposta – gênero (identidade), dinheiro e sexo são todos construções sociais, e os terapeutas lidam com construções sociais o tempo todo. Isso é verdade, mas algumas construções sociais correspondem de forma muito mais próxima à realidade externa do que outras, a construção social do trânsito se movendo com rapidez talvez seja um exemplo bastante crítico disso. Da mesma forma, ignoramos ou manejamos a construção social da gravidade do nosso planeta por nossa conta e risco. Podemos brincar de forma semelhante com o conceito social de sexo biológico como sendo amplamente performativo, mas isso ignora a realidade perturbante da transição médica e a dependência vitalícia de medicamentos para pessoas do sexo oposto necessária para sustentar essa ilusão como fato social.


Ao que parece, ser da linha de que "uma abordagem centrada na pessoa é antitética às perspectivas críticas de gênero" depende de se ser capaz de manter o mundo exterior em modo de espera, em uma bolha frágil onde fatos inconvenientes podem ser mantidos à distância. Assim, Helen Webberley não é a única ou mesmo a fonte mais confiável para citar o suposto aumento de suicídios trans no Reino Unido. Há a análise contrária de Louis Appleby, que realizou uma avaliação de mortes por suicídio registradas pela Clínica Tavistock e Portman em 2024. Ele concluiu que os "números claramente não apoiam a principal alegação de que os suicídios aumentaram acentuadamente desde o julgamento do Tribunal Superior". Em um mundo pós-Trump, enfeitado por fatos alternativos, a GSRD Communities of Practice pode, é claro, escolher acreditar no que quiser, mas os dados não apoiam sua crença neste ponto importante.


Exploração é igual a conversão?


Outra alegação feita também é inflamatória, a saber, que a terapia exploratória é semelhante à terapia de conversão, também conhecido como “cura gay”. O trabalho exploratório é central para todas as modalidades de tratamentos psicológicos, incluindo a abordagem centrada na pessoa. A terapia não exploratória é, portanto, uma contradição em termos. Aqui surge outro aspecto inconveniente da realidade, que o artigo evita cuidadosamente reconhecer. Psicoterapeutas no Reino Unido, centrados na pessoa ou não, que mantêm e expressam crenças críticas de gênero são legalmente protegidos pelo Equality Act 2010, seguindo jurisprudência substantiva, como o caso Forstater. Trazer o MOU a este ponto do argumento não muda nada. O MOU é simplesmente um documento de política sem base legal. Portanto, é legalmente inexequível contra terapeutas críticos de gênero, incluindo terapeutas críticos de gênero centrados na pessoa. A GSRD Communities of Practice pode argumentar que terapeutas centrados na pessoa não podem ter perspectivas críticas de gênero, mas estará em uma situação muito precária se tentar discriminar injustamente seus colegas com abordagens centradas no paciente com base nesses fundamentos fraudulentos.


Finalmente, o artigo apoia a necessidade de afirmar [a identidade de gênero] de clientes trans. Não há evidências sustentando a eficácia de uma abordagem afirmativa neste ou em qualquer outro contexto, isto é, se descartarmos as cansativas e barulhentas declarações amplamente baseadas em políticas americanas sobre esta questão. E se o melhor que pode acontecer a psicoterapeuras agora é se tornarem ativistas (mas apenas do tipo certo, é claro), então talvez no futuro devêssemos perguntar rotineiramente aos nossos clientes se eles realmente querem tratamento psicológico, centrado na pessoa ou não, ou a versão de ativismo político aprovada pela GSRD?


Referências


Appleby, L. (2024) Revisão de suicídios e disforia de gênero na Tavistock e na Portman NHS Foundation Trust: relatório independente.


GSRD Comunidade de prática (2025) Uma abordagem centrada na pessoa é antitética às crenças críticas de gênero. Associação Centrada no Paciente.


Por Peter Jenkins, profissional de aconselhamento, supervisor, instrutor e pesquisador no Reino Unido. Foi membro do Comitê de Conduta Profissional do BACP e do Comitê de Ética do UKCP. Publicou vários livros sobre aspectos legais da terapia, incluindo Prática Profissional em Aconselhamento e Psicoterapia: Ética e a Lei (Sage, 2017). https://us.sagepub.com/en-us/nam/author/peter-jenkins


Peter também é membro do Thoughtful Therapists. Sua crítica ao Memorando de Entendimento sobre Terapia de Conversão foi descrita como "instrumental" para persuadir o Conselho do UKCP do caso para deixar o MOU em 2024.



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