Fala da MATRIA na audiência pública "O sistema prisional feminino e as pessoas LGBTQIAPN+", dia 12/12/2024, na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, na Câmara dos Deputados.
A MATRIA representa hoje cerca de 150 associadas, 630 apoiadores, além de uma parcela considerável da população brasileira, como demonstra pesquisa de opinião nacional encomendada pela MATRIA ao instituto IRG Pesquisa.
Os resultados completos dessa pesquisa serão divulgados em breve, entretanto vale adiantar que 82% da população discorda em algum grau de que pessoas do sexo masculino que se identificam como mulher devam ter o direito de ocupar a mesma cela que mulheres em presídios e isso nos deixa seguras para afirmar que trazemos aqui a opinião da maioria da população brasileira.
É inaceitável que pessoas do sexo masculino sejam encarceradas em presídios femininos, indepente de como se sintam ou se autodeclarem, independente de fazerem uso de hormônios sintéticos ou terem realizado cirurgias.
A separação das prisões por sexo está garantida no inciso XLVIII do Art 5° da nossa Constituição. Diz o inciso: a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.
A vulnerabilidade de mulheres encarceradas diante da violência masculina é tanta que em 2009 foi promulgada a Lei n.° 12.121, que determinou que os estabelecimentos destinados a mulheres devem possuir, exclusivamente, agentes do sexo feminino na segurança de suas dependências internas.
Já a Lei n.° 13.869, de 2019, que trata de abuso de autoridade, prevê pena de 1 a 4 anos e multa para quem mantiver "presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento" e também para quem obrigar a presa a "exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública" ou "submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei".
Existe um motivo para tudo isso: mulheres apresentam necessidades específicas decorrentes de seu sexo, além de serem mais vulneráveis e sofrerem com a violência masculina.
É também essencial destacar que é nas alas femininas que há espaços de maternidade, onde encontram-se crianças pequenas e suas mães e que por isso devem ser espaços com ainda mais proteção, segurança e investimentos específicos.
A eliminação de espaços separados por sexo em presídios implica em obrigar mulheres a dividir celas, banheiros e chuveiros com pessoas do sexo masculino. Ou seja, as obriga a exibir seus corpos e passarem por constrangimentos, em situação vedada pela Constituição e pelas Leis mencionadas acima. Leis que reconhecem o sexo como o marcador para a organização das unidades prisionais.
E ninguém muda de sexo. Ninguém. Não importa quantas cirurgias faça. Embora a crença na "identidade de gênero" tenha penetrado nossas instituições, ela não é científica, e não tem lastro na realidade, não sendo verificável. Indivíduos têm direito às suas crenças pessoais, mas estas não podem servir para organizar os acordos sociais.
Um indivíduo pode acreditar estar no corpo errado, mas alterações cosméticas que visam simular ser uma mulher não mudam o padrão de criminalidade masculino, como demonstra o único estudo de longo prazo sobre pessoas que transicionaram no mundo: a Suécia acompanhou por 30 anos TODAS as pessoas que transicionaram medicamentosamente no país e concluíram que pessoas do sexo masculino que transicionam mantêm o mesmo padrão de criminalidade do restante da população masculina.
E a nossa situação atual no Brasil está bem distante da realidade da Suécia, que estudou pessoas que tomaram hormônios e realizaram cirurgias, enquanto no Brasil de hoje, graças ao STF, basta uma autodeclaração para ser considerado uma pessoa trans.
Dados oficiais dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido mostram que o percentual de prisioneiros que se autodeclaram trans e estão presos por crimes sexuais é maior do que o percentual de crimes sexuais cometidos pela população prisional masculina em geral.
É fácil encontrar na internet matérias sobre uma série de crimes bárbaros cometidos por pessoas do sexo masculino que se autodeclaram trans, crimes tipicamente masculinos.
Permitir que pessoas sejam transferidas para prisões femininas com base em autodeclaração de gênero gera situações como a que encontramos no Distrito Federal. Ao solicitar informações via Lei do Acesso à Informação (LAI-018528/2023), soubemos que das 19 pessoas do sexo masculino na prisão feminina em novembro de 2023 [1], todas se declararam trans após presas, nenhuma passou por alterações cirúrgicas e apenas uma fazia uso de hormônios sintéticos. Isso no DF, um estado pequeno.
Através do mesmo pedido de acesso à informação feito ao DF, pudemos constatar que embora o número de mulheres na prisão feminina seja 30x maior do que número de pessoas do sexo masculino lá alocadas, o número de processos disciplinares abertos contra esses últimos é proporcionalmente 10x maior. Ou seja, isso confirma o que todos os estudos demonstram: presos do sexo masculino apresentam comportamento mais agressivo e violento que o das mulheres encarceradas. Motivo pelo qual, inclusive, o nível de segurança nas prisões masculinas costuma ser maior.
No Brasil, pelo menos em teoria, as pessoas do sexo masculino transferidas para presídios femininos estão em alas separadas. No entanto, nem essa situação é aceitável, pois tem impacto na segurança e nas condições de trabalho das policiais penais mulheres.
As policiais penais também não deveriam ter que realizar revistas em corpos masculinos, o que conforme código penal pode ser considerado constrangimento ilegal e é alvo de repúdio e questionamento legal por policiais penais em outros países, como Escócia e França, conforme é possível apurar em rápida busca no Google.
Além da questão das policiais penais, a presença de pessoas do sexo masculino nos presídios femininos implica em divisão de recursos e capacitação que deveriam ser exclusivos para as necessidades específicas das mulheres.
A diferença de força física entre os sexos é um fato estatístico e o perigo disso para mulheres encarceradas é evidente e reconhecido de uma forma curiosa na ADPF 527.
Essa ação, que foi rejeitada pelo STF em 2023, foi movida pela ABGLT e exigia que as pessoas fossem alocadas no sistema prisional não conforme seu sexo, mas conforme "identidade de gênero autodeclarada".
Uma das peças do processo foi o amicus curiae do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades- IBRAT - que alegou que caso homens trans fossem alocados em presídios conforme seu gênero, ou seja, em presídios masculinos, corriam risco de sofrer “dano irreparável” e violência devido a sua "vulnerabilidade corpórea".
Ou seja, pessoas do sexo feminino que se autodeclaram trans têm plena consciência, assim como nós, da vulnerabilidade do sexo feminino diante do sexo masculino. MATRIA e IBRAT estão de acordo neste ponto.
Todas as mulheres têm direito a estarem protegidas da violência masculina no sistema prisional, não apenas as que se declaram "homem trans". E pra isso, não podem conviver com pessoas do sexo masculino.
O fato de que essa associação precisou ingressar no processo se colocando contra o pedido inicial evidencia como certas ONGs compostas por pessoas do sexo masculino se colocam como representantes de toda uma "comunidade LGBT" quando não representam sequer todos aqueles que se dizem trans, que dirá os demais grupos que hoje compõem essa sigla.
E é bom observar que embora o nome da audiência de hoje seja "o sistema prisional feminino e as pessoas LGBTQIAPN+" o cerne da questão são as pessoas do sexo masculino que se declaram trans e pedem acesso a presídios femininos.
Nos pedidos via Lei de Acesso à Informação que já mencionamos, obtivemos respostas de diversos estados demonstrando que lésbicas e homens trans dividem celas com as demais mulheres sem qualquer intercorrência.
É portanto grave que essas ONGs venham sendo ouvidas como se falassem em nome de uma série de pessoas que não representam e, em especial, como se falassem pelas mulheres, quando em realidade suas demandas vão consistentemente contra nossas necessidades e direitos.
Corre atualmente no STF um outro processo com o mesmo tema, a ADI 7429. Nele, a associação trans ANTRA pede que indivíduos do sexo masculino que autodeclarem uma "identidade de gênero feminina" possam escolher não apenas em que presídio cumprir pena, mas se sua preferência é por ala separada ou pela "custódia em convívio geral", ou seja, compartilhando celas com mulheres.
Isso é simplesmente inadmissível, pois é a garantia de que ocorrerão abusos contra as mulheres apenadas. Não há dúvidas a esse respeito.
Os resultados desse tipo de experimento, nos países que permitem que pessoas do sexo masculino dividam cela com mulheres, são obviamente desastrosos. Os casos de assédio, violência e estupro são inúmeros, assim como os de gravidez.
Infelizmente esses casos não surpreendem nenhum dos grupos de mulheres que, como nós, vêm alertando que isso ocorreria.
Aqui no Brasil a Advocacia Geral da União, ou seja, quem representa a União judicialmente, também já demonstrou preocupação com o assunto, no processo da ADO 26. Essa é a ação que resultou em um Acórdão no qual o STF equiparou o que chamou de homotransfobia ao crime de racismo. Mas esse processo ainda não transitou em julgado, ou seja, ainda não foi concluído. E isso porque há dois embargos de declaração pendentes de julgamento. Um deles foi feito justamente pela AGU e menciona explicitamente a pertinência de se manter "estabelecimentos de cumprimento de pena" separados por sexo, para proteção de grupos vulneráveis.
O Estado Brasileiro será responsável e responsabilizado por todo e qualquer abuso cometido contra mulheres encarceradas como consequência de políticas irresponsáveis que as coloquem sob risco de violência masculina. Nós nos comprometemos com isso.
Nos Estados Unidos e na Inglaterra já estão em curso processos contra o governo.
Segurança é o motivo mais amplamente citado por aqueles que pleiteam a alocação de pessoas do sexo masculino que se declaram trans em presídios femininos. De fato, é uma população que pode estar mais vulnerável em presídios masculinos. Mas frisamos aqui que existem alas LGBT para esses casos e que o projeto de lei do senador do PT Fabiano Contarato foi recentemente aprovado, garantindo celas específicas para população trans, de modo que as soluções para a segurança de quem se declara trans já existem.
Os problemas da classe sexual masculina não podem ser solucionados às nossas custas. Nem um único caso de violência contra a mulher é aceitável em nome da proteção a pessoas que se autodeclaram trans.
E o desejo por validação de uma "identidade feminina autopercebida", seja lá o que isso for, não é motivo aceitável para a transferência de pessoas do sexo masculino para prisões femininas.
Obrigada.
Fala final
Um ponto diretamente ligado a tudo que foi apresentado aqui hoje é o fato de que um número significativo de pessoas do sexo masculino que se declaram mulher e que se relacionam com homens, querem ficar nos presídios masculinos. Mais uma vez vou me referir ao processo da ADPF 527, que traz à tona todas as contradições e fragilidades do que certos grupos vêm pleiteando. Na petição original da ABGLT, então presidida inclusive por Simmy Larrat (hoje na Secretaria LGBT do Ministério dos Direitos Humanos), a associação solicitava que quem declarasse um "gênero feminino" somente pudesse cumprir pena em presídios femininos.
Treze dias depois a petição foi aditada, para que a transferência fosse opcional. Conforme reportagem, essa alteração foi feita após críticas por parte do grupo que a medida visava atingir, já que quem mantém relações sexuais e afetivas com homens prefere ficar na prisão masculina. Esse é um dado que também aparece no excelente livro da Tatiana Dorneles, que também falou nessa audiência. Ela menciona uma série de pesquisas qualitativas nas quais aparece o desejo de permanecer em prisões masculinas, porque lá dizem arrumar marido.
Fica aqui o questionamento quanto à orientação de quem deseja ser alocado em prisões femininas e o risco disso para as mulheres.
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[1] Também participou desta audiência a Sra. Rayana de Brito Machado Tomaz, Policial Penal do Sindicato dos Policiais Penais do Distrito Federal - SINDPOL/DF. Em sua fala, ela informou que o presídio feminino do DF conta hoje com 37 pessoas do sexo masculino que se declaram trans, ou seja, o número dessa população dobrou em um ano.
Documentos complementares:
É o estudo de maior longo-prazo sobre pessoas autodeclaradas trans no mundo e o único que acompanhou todas as pessoas que transicionaram em um dado país.
Entre outras conclusões interessantes, o estudo observa que apesar da transição hormonal e cirúrgica, “mulheres trans” (ou seja, pessoas do sexo masculino) mantiveram o padrão de criminalidade masculino, tanto para crimes em geral, quanto para crimes violentos. Esse padrão de criminalidade, como se sabe, é completamente diferente do padrão feminino, não apenas em quantidade, mas em qualidade (tipo de crime cometido).
O documento, obtido em 2023, mostra que a taxa de crimes sexuais entre presidiários que se autodeclaram “mulher trans” é 2,68 vezes superior à taxa de crimes sexuais cometidos pela população carcerária masculina geral, que ficou em 16,4% entre 1978 e 2021.
O grupo de mulheres Fair Play for Women analisa nessa postagem os dados obtidos em 2019 junto ao governo do Reino Unido e mostram que a taxa de crimes sexuais cometidos por presidiários que se autodeclaram “mulher trans” é 2,9% superior à taxa de crimes sexuais cometidos pela população carcerária masculina geral, que ficou em 17% no mesmo ano.
O documento, baseado em dados de 2017-2020, aponta que dessa população carcerária "trans" que cometeu crimes sexuais, 82% se declaram "mulher trans" e todo o restante se declara como "outro" (gênero fluido, não binário, intersexo, dois espíritos). Não há menção a sexo dos indivíduos do grupo "outro" ou a "homens trans", mas é plausível supor que a maioria, se não a totalidade desse grupo também seja composta por pessoas do sexo masculino. O levantamento realizado pelo governo do Canadá informa que em 85% dos casos o crime sexual cometido por esses prisioneiros "trans" levou a óbito ou "dano grave às vítimas" que, em 58% dos casos foram crianças e em 55% dos casos, mulheres. Apesar da observação de que a maioria desses crimes foi cometida antes de se identificarem como "mulher trans", o relatório considera que 66% das pessoas em questões tem potencial baixo de reintegração à sociedade.
Material produzido pela MATRIA:
Falsas afirmações sobre os espaços públicos das mulheres e meninas