Em 2014 iniciou-se o julgamento do Recurso Extraordinário 845.779 no Supremo Tribunal Federal. O processo se originou da ação de danos morais movida contra o Shopping Center Beiramar, de Santa Catarina, por uma pessoa do sexo masculino que se identifica como mulher. O reclamante alega que sofreu constrangimento ao ser direcionado ao banheiro masculino quando tentou usar o banheiro feminino, pois se reconhece como mulher.
Na ocasião, o relator do caso Ministro Barroso posicionou-se através de um extenso voto pelo reconhecimento do dano causado à dignidade de Ama Fialho, nascido André dos Santos Fialho.
Além do Ministro Barroso, Luiz Edson Fachin também manifestou-se favorável ao proponente da ação, conforme noticiou o G1 da Globo:
"Os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), votaram nesta quinta-feira (19) a favor do direito de transexuais usarem banheiros conforme sua “identidade de gênero”, ou seja, como se percebem (homem ou mulher), independentemente do sexo a que pertencem". (G1 Globo 19/11/2015, grifo nosso)
Os votos iniciais reconheceram que o shopping errou com Ama Fialho, mas também abriram um precedente perigoso para os direitos das mulheres e meninas no Brasil. Pois é pela existência de diferenças físicas entre homens e mulheres e pela existência da violência masculina que foram criados espaços separados por sexo na nossa sociedade. Separações essas que são uma constante em várias sociedades e culturas pois a realidade biológica se impõe sobre a questão social.
Além de decidir sobre esse caso, os Ministros já haviam definido que esse caso terá repercussão geral, ou seja, será jurisprudência para outros casos na mesma matéria e irá orientar a decisão de mais de 700 processos já em trâmite na justiça em diversas instâncias no Brasil:
“Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 1º, III, 5º, V, X, XXXII, LIV e LV, e 93 da Constituição Federal, se a abordagem de transexual para utilizar banheiro do sexo oposto ao qual se dirigiu configura ou não conduta ofensiva à dignidade da pessoa humana e aos direitos da personalidade, indenizável a título de dano moral.”
O julgamento foi paralisado após pedido de vista do Ministro Luiz Fux e manteve-se interrompido por todos esses anos. Agora, passados nove anos, o juízo voltará à corte no dia 29 de maio para voto dos demais ministros e o placar é de 2 X 0 contra as mulheres.
A ação tem em síntese, uma pessoa do sexo masculino requerendo acesso ao espaço de uso privativo de mulheres. Ter a clareza do objetivo da ação é fundamental, visto que se fosse a ação da mesma pessoa impedida ou constrangida por usar o banheiro do seu sexo, estaríamos diante de um explicito caso de preconceito e discriminação, mas diferentemente dos fatos, ocorre sobre um pretenso “direito” de usar o banheiro designado ao sexo oposto.
A solução para a violência intra-masculina não deve ser a transferência desse problema para as mulheres e seus espaços íntimos ou privados. Não estamos negando que transexuais e travestis corram riscos ao usar o banheiro masculino, todavia, obrigar os estabelecimentos públicos a permitir que eles frequentem os banheiros femininos, transfere esse risco para as mulheres, pois permite que qualquer um acesse este recinto.
E é sobre esse preocupante precedente e a repercussão jurídica do caso que organizações de Defesa de Direitos das Mulheres estão temerosas. Um direito das mulheres será julgado à revelia das mulheres e à luz apenas da reivindicação de uma pessoa nascida do sexo masculino, mas com uma autoidentidade feminina.
Em seu voto o Ministro Barroso citou
“Nenhuma pessoa é um meio, todas as pessoas são um fim em si mesmas, ninguém neste mundo é um meio para satisfação de metas coletivas ou para satisfação das convicções ou dos interesses dos outros”, disse o ministro, parafraseando o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804).”
Concordamos plenamente e é esse entendimento que nos firma a certeza que mulheres não devem ter seu marcador biológico, científico, observável e material, que é o SEXO, apagado para validar a crença individual e coletiva de autoidentidade de gênero que possui fundamentos subjetivos e abstratos.
O próprio Sistema de Justiça brasileiro já reconhece oficialmente a falta de definição e critérios para a autoidentidade de gênero, na Resolução N348/2020 do Conselho Nacional de Justiça reconhecem:
Art. 14. As diretrizes e os procedimentos previstos nesta Resolução se aplicam a todas as pessoas que se autodeclarem parte da população LGBTI, ressaltando se que a identificação pode ou não ser exclusiva, bem como variar ao longo do tempo e espaço. (grifo nosso).
Também por meio desse RE 845.779 estamos diante de uma iminente perda histórica para as mulheres. Os primeiros banheiros exclusivos para mulheres surgiram em Paris, nos anos 1700. Somente no final dos anos 1800 é que banheiros separados por sexo surgiram nos EUA. No Brasil não foram encontradas informações sobre o histórico dos banheiros públicos para mulheres. Há menção a uma lei do estado do Rio de Janeiro de 1914 e uma portaria do Ministério do Trabalho de 1978. Até 2015 o Senado Federal brasileiro não tinha banheiro feminino, mesmo decorridos 55 anos de sua inauguração, e 36 anos após a eleição da primeira senadora. Há apenas 9 anos as Senadoras do Brasil ganharam o direito de ter um banheiro próprio.
Os banheiros separados por sexo foram criados por políticas de direitos e proteção e amparo do lugar das mulheres no mundo. “O LUGAR DAS MULHERES NO MUNDO”, é sobre isso que se constituem os banheiros femininos dentro de uma perspectiva histórica de direitos, então não há como desconsiderar tamanha significância dos banheiros femininos na conquista de Direitos e Espaços das Mulheres.
Ainda segundo a matéria do G1 Globo o Ministro Barroso diz:
“Ao analisar o caso concreto, ponderou que o “suposto constrangimento” causado às demais mulheres num banheiro feminino pela presença de uma transexual “não é comparável ao mal estar” suportado por ela se tivesse que usar o banheiro masculino”.
Quanto a essa argumentação observamos que a perspectiva de defesa da autoidentidade de gênero tende a ignorar ou desconsiderar completamente as implicações concretas para a vida das mulheres; o “suposto constrangimento” desconsiderado em relação às mulheres, é exatamente o motivo que foi considerado que suscitou o processo (agora transformado no RE 845.779) que pode aniquilar os banheiros femininos separados por sexo.
O julgamento do RE 845.779 traz um risco iminente. Se alcançar a maioria dos votos favoráveis, não será apenas um dano moral que será pago. Na prática, todos os banheiros públicos - e aqui entram rodoviárias, centros comerciais, escolas infantis, praças públicas, universidades - deverão aceitar a auto identificação de gênero como parâmetro para os banheiros. Será o fim dos banheiros femininos. Todo banheiro feminino será um banheiro unissex.
E por isso deixamos os nossos questionamentos:
É justo que as Políticas de autoidentidade de gênero continuem avançando e usurpando espaços e direitos de mulheres?
Por que a reivindicação nunca foi pelo direito ao uso do banheiro do seu próprio sexo com segurança e respeito?
Por que nunca houve reivindicação de banheiros próprios destinados às pessoas com autoidentidade? Um terceiro banheiro neutro?
Porque cabe às mulheres todo o “mal estar”, silenciamento e usurpação de seus direitos e espaços?
Por que não vemos “homens trans” (mulheres biológicas) requerendo na justiça o direito de usar o banheiro masculino?
Sem um debate público mais abrangente, a simples obrigação imposta às mulheres de conviverem com pessoas do sexo masculino em espaços reservados como banheiros públicos, vai muito além do constrangimento moral. Abre precedente para que qualquer um adentre esse espaço privado das mulheres. É perigoso, é injusto e é desonesto ignorar esse risco.