Em 27 de fevereiro os canais de comunicação O Joio e O trigo (@ojoioeotrigo) e Notícia Preta (@noticia.preta) noticiaram que "mulheres trans" (homens biológicos) poderiam amamentar um bebê:
Nos causa estranhamento que esse assunto apareça simultaneamente em mais de um canal de comunicação da mídia supostamente independente e fomos buscar maiores informações.
Não entraremos na particularidade de "homens trans", "transmasculinos" e mulheres que se autodefinem como "não-binárias", pois são pessoas do sexo feminino, ou seja, excetuando-se casos de intervenção cirúrgica ou distúrbios raros, possuem as características biológicas necessárias para gestação, parto e amamentação.
A postagem do portal Notícia Preta declara:
A informação noticiada pelo jornal The Telegraph, faz parte de um documento do diretor médico da Universidade de Sussex Hospitals NHS Trust.
O documento apoia o uso de tratamentos hormonais farmacêuticos em mulheres transgênero para estimular a produção de leite materno, que segundo o diretor médico da universidade, é “comparável ao produzido após o nascimento de um bebê”. Em 2018 aconteceu o primeiro caso registrado de uma mulher trans amamentando uma criança.
A matéria mencionada, que em dois terços do texto traz críticas e questionamentos ao conceito de "aleitamento" apresentado em seu terço inicial, informa que o tal documento é uma carta de aconselhamento escrita pelo Hospital Universitário Sussex - NHS Foundation Trust a ativistas trans. A carta não se encontra mais no site da instituição. O Hospital em questão, vale mencionar, também foi o primeiro a utilizar o termo "alimentação do tórax" ao se referir a amamentação. Não por acaso, a citação escolhida pelo artigo para ilustrar sua parte final é de que o Trust seria "viesado e ingênuo".
Antes de mais nada é importante destacar que a fisiologia das mamas difere entre mulheres e homens. Até o 2º mês da gestação, gônadas e genitais permanecem indiferenciadas, motivo pelo qual os homens também têm mamilos e pequenos dutos. No entanto, a partir deste ponto o desenvolvimento fetal difere e mulheres passam a ter lóbulos e dutos, que acabam de se desenvolver na adolescência, e que permitem a produção de leite materno. Ou seja, pessoas do sexo masculino não têm a fisiologia necessária para a produção de leite e não há indução hormonal capaz de desenvolver tais características em seus corpos. Pessoas do sexo masculino que fazem uso de hormônios podem aumentar o tecido adiposo da mama (o que aumenta sua aparência) e produzir, em seus pequenos dutos, quantidade limitada de uma substância chamada galactorreia.
Não há estudos sobre a qualidade do líquido produzido por uma mama masculina após ingestão de hormônios. O que existe são casos isolados nos quais pessoas do sexo masculino foram submetidas a um protocolo hormonal para aumento de galactorreia, sem foco no estudo aprofundado da composição nutricional deste expurgo, na sua dosagem hormonal ou no acompanhamento a longo prazo das crianças submetidas a esse regime. Nada disso pode ser considerado evidência científica em prol da prática de oferecer a produção de mamas masculinas a bebês.
A título de comparação, em apenas um dos inúmeros estudos existentes a respeito da qualidade do leite materno, foi analisado o leite de mais de 3 mil mulheres.
Também problemático é o remédio utilizado para estimular a produção da secreção masculina. A domperidona não foi desenvolvida para esse fim e o próprio fabricante desaconselha o uso para estimular produção de leite (mesmo em mulheres) pois há o risco de possíveis problemas cardíacos no bebê.
As recomendações médicas oficiais para mulheres em fase de amamentação são inúmeras, com restrições ao uso de remédios, a certos tratamentos de saúde, ingestão de bebida alcoólica e produtos alimentícios, pois a transmissão de substâncias para o bebê via ingestão é comprovada.
Nos causa portanto espanto que mesmo sem nenhuma evidência científica a respeito da segurança da prática, profissionais da área de saúde e meios de comunicação estejam incentivando a oferta de galactorreia masculina para bebês, chamando o líquido de "leite" e o ato de "aleitamento".
Um estudo de caso de 2021, que diz ser apenas o segundo no mundo a acompanhar a implementação de um protocolo de hormônios para pessoa do sexo masculino que manifesta o desejo de "amamentar" traz a seguinte conclusão (tradução livre):
A amamentação é um aspecto importante da maternidade, o que não é suficientemente debatido no cuidado de mulheres trans. Neste caso, apesar de não ter sido possível aderir ao protocolo inicialmente planejado e do pouco tempo para mudanças e sugestões, a amamentação foi alcançada em um nível satisfatório para a paciente. Esperamos que mais pesquisas nesta área melhorem o acesso a este aspecto da identidade de gênero feminina.
A conclusão de tal artigo, publicado em revista "científica" (The Journal of Clinical Endrocrinology & Metabolism), não traz uma única observação sobre o bebê alvo deste experimento, deixando claro que o único foco é a validação de identidade de pessoas do sexo masculino que se autodeclaram mulheres.
É urgente estabelecermos limites para os desejos individuais, especialmente se estes envolvem, de qualquer forma, a instrumentalização de crianças e o comprometimento de seu bem estar físico e psíquico.
Não reconhecemos como legítimo ou nem ético qualquer debate sobre amamentação que não coloque o bem estar do bebê no centro e que ignore a importância da mãe que gestou esse bebê, o binômio central para o debate.
Mulheres precisam de apoio para atravessar esse momento com suas crianças: há uma carência de políticas públicas voltadas ao tema, uma carência de suporte, incentivos, informação de qualidade e combate à sexualização da amamentação quando em locais públicos. Tudo isso é deixado de lado quando o desejo de homens é colocado no centro.
Por fim, a MATRIA repudia toda e qualquer mídia que propague que líquidos produzidos por um corpo masculino podem ser oferecidos a um bebê. Usar os bebês para satisfazer desejos masculinos por validação é abuso infantil.