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Ministério dos Direitos Humanos escolhe a MENTIRA

Em 01/02/2024, a MATRIA encaminhou ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) o Ofício 10/2024, apresentando ao órgão o recém-lançado Relatório "FALSAS AFIRMAÇÕES SOBRE A POPULAÇÃO AUTODECLARADA TRANS NO BRASIL", no qual demonstra a falsidade das duas afirmações abaixo:


1. "O Brasil é o país que mais mata pessoas trans";

2. "A expectativa de vida da população trans é de 35 anos".


No mesmo ensejo, a MATRIA faz três solicitações ao Ministério:

  • o agendamento de uma reunião para melhor apresentação do Relatório;

  • a retificação em todos os seus meios de comunicação das informações que o Relatório demonstra serem falsas; e

  • esclarecimento quanto à relação do MDHC com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), propagadora dos dados falsos acima mencionados.


Nenhuma das três solicitações foi atendida. Embora esse resultado em si não seja surpreendente, o escrutínio de algumas das respostas fornecidas revela muito sobre a postura do atual governo em relação à indústria "trans".


A íntegra da resposta a nossa primeira reclamação pode ser lida aqui, mas para os fins deste texto, destacamos o trecho abaixo:


4. Por fim, especificamente no tocante ao questionamento da demandante sobre a confiabilidade dos dados apresentados no Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023 , destaca-se que a pesquisa apresentada dispõe, em sua metodologia, de formas válidas e científicas acerca da coleta e análise de dados, especialmente pelo uso da estatística descritiva, bem como pela sistematização das informações de forma quantitativa e qualitativa. A metodologia detalhada pode ser verificada às fls. 35 a 41 do Dossiê, pelo seguinte link: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2024/01/dossieantra2024-web.pdf


5. De forma complementar, os dados levantados pela Organização Transgender Europe (TGEU), que monitora e atualiza as informações relativas à pesquisa Trans Murder Monitoring (TMM), responsável pelo o ranking global do quantitativo acerca dos assassinatos de pessoas trans, atualizado em novembro de 2023, corrobora a hipótese de que o Brasil é, pelo 15º ano consecutivo, o país que mais mata pessoas transexuais no mundo. O detalhamento das informações pode ser consultado por este link: https://transrespect.org/en/trans-murder-monitoring-2023.


Partindo do pressuposto de que nosso Relatório não havia sido lido, posto que já desbancava toda a argumentação avançada pelo Ministério, retomamos o contato com o MDHC, dessa vez através do Ofício  20/2024, que rebate os pontos citados acima:

 

Ponto "b" - Dossiê da ANTRA.

Todo o conteúdo dos dossiês da ANTRA, de 2024 como anteriores, foi analisado para redação do Relatório que lhes foi encaminhado e que serviu de base ao Ofício MATRIA n.º 10/2024, de 31/01/2024. 


Em que pesem as diversas páginas a respeito de "metodologia" que nos foram indicadas em sua resposta, a maior parte delas é ocupada por gráficos que não apresentam de forma alguma uma metodologia mas são, por exemplo, uma simples apresentação de termos de busca utilizados na internet (quadro que ocupa toda a pág. 37) ou descrição de parâmetros de classificação dos casos encontrados na internet (data, nome, idade, local do ocorrido e demais informações extraídas de artigos de internet - pág. 39 e toda a 40).


Das poucas informações reais trazidas por esta seção, sobressai um quadro, apresentado pela própria organização, que deixa clara a impossibilidade do trabalho que afirmam fazer e das conclusões a que chegam:


pág. 35 - a única informação relevante da página consta no seguinte parágrafo e demonstra justamente a impossibilidade de qualquer conclusão real a respeito dos números levantados, visto que qualquer índice de violência deve ser comparado à população (mais sobre o tema no comentário a respeito do ponto "c":

Nesse sentido, após revisão e testes, o presente monitoramento passa a sistematizar as informações de forma quantitativa e também qualitativa, visto que não existem dados demográficos a respeito da população trans brasileira que possibilitem um cruzamento entre a intenção de levantarmos a proporção população trans versus o número de assassinatos com o intuito de traçar a proporção de casos/habitantes, o que se torna um grande desafio. Após a coleta dos dados, a pesquisa de informações é dividida dois tipos de fontes principais, sendo ela as A) fontes primárias e B) secundárias (ou complementares) que serão melhor explicadas a seguir. (grifo nosso)


pág. 38 - Aqui é apresentado um dos muitos limites de buscas de casos através da internet (o que comentaremos também a respeito do ponto "c"), que de forma alguma pode ser consideradas uma "metodologia científica" neste caso:

E são as pessoas que atuam como investigadores-pesquisadores para a elaboração do presente dossiê que assume o papel de ter que “atribuir uma identidade presumida” sobre aquela pessoa, lançando mão de um processo semelhante à heteroidentificação para fins da presente pesquisa, incluindo busca de perfis em redes sociais, outros links de noticiais e em alguns casos buscando algum contato com alguém do convívio e familiares da pessoas, na tentativa de minimizar o risco de que seja atribuída uma identidade que não condiz com a sua realidade quando ainda estava em vida. (grifo nosso)


pág. 42: trazido em meio a outras questões que a ANTRA considera limitações, o ponto que, de fato, torna impossível qualquer afirmação mais geral a partir dos dados trazidos pelo dossiê:

3. Ausência de dados governamentais (...).(grifo nosso)


Por todo o exposto, reafirmamos que não se pode fazer afirmações a partir dos Dossiês da ANTRA e que é extremamente irresponsável que o MDHC continue a replicar informações sem comprovação e sem que as tenha verificado antes de propagá-las.


Ponto "c" - Dados TGEU

Estamos plenamente cientes dos dados que constam do site TGEU, que nos foi encaminhado em sua resposta. Nosso Relatório "FALSAS AFIRMAÇÕES SOBRE A POPULAÇÃO AUTODECLARADA TRANS NO BRASIL" apresenta de forma detalhada a impossibilidade de se afirmar "a hipótese de que o Brasil é, pelo 15º ano consecutivo, o país que mais mata pessoas transexuais no mundo.", como os senhores insistem em fazer. No entanto resumimos aqui os pontos trazidos:

- os dados não têm fontes oficiais, sendo informados por organizações não-governamentais que muitas vezes não apresentam metodologia ou possibilidade de checagem da veracidade das informações fornecidas (caso da ANTRA);

- as informações costumam ser obtidas através da mídia, muitas vezes com inferências a respeito de como a vítima se autodeclararia ou do motivo da morte. Nosso relatório aponta casos que comprovadamente foram contabilizados de forma indevida.

- apenas o Brasil informou dados desde a criação de TGEU e TMM. Há irregularidade no fornecimento de dados dos demais países, tornando impossível uma real comparação entre Brasil e os demais países que fornecem dados;

- dos 193 países do mundo, apenas 29 já forneceram dados em algum momento, sendo impossível qualquer afirmação que compare o Brasil "ao mundo";

- dos países com população equivalente ou superior à do Brasil, apenas a China já forneceu dados, sendo um país onde há censura na mídia, de onde a maioria das ONGs que fornecem dados os coletam;

- Os países onde ser homossexual é crime não fornecem dados ou os fornecem de forma irregular – Rússia, Cingapura, Quênia, Líbia, Nigéria, entre outros. Há países onde a população LGBTQIA+ é criminalizada e pode estar sujeita inclusive à pena de morte, sendo abslutamente desonesto afirmar que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo;

- Mais importante do que todo o exposto acima: não se contabiliza índices de violência de forma absoluta, mas sim em relação à população total.


O fato de o Brasil, com todas as falhas indicadas acima, apresentar em certos levantamentos os maiores números absolutos de mortes de pessoas autodeclaradas trans não traz qualquer informação relevante a respeito de ranking do Brasil em relação a outros países, pois não faz uma comparação de números de mortes por 100 mil habitantes em relação à população total. Conforme demonstramos no Relatório novamente encaminhado em anexo, pelos números do próprio TGEU (que, novamente, não são números oficiais e apresentam enormes falhas de metodologia e lacunas), o México seria o país com maior número de mortes por 100 mil habitantes e não o Brasil.


A afirmação de que "o Brasil é o país que mais mata pessoas trans", repetida à exaustão por este Ministério, não se sustenta e tem cunho meramente sensacionalista, o que não é uma estratégia aceitável para um órgão do Governo ou para tomada de decisões.


Observamos ainda a ausência conspícua de qualquer menção, na resposta que nos foi fornecida, à afirmação absurda de que "a expectativa de vida da população trans é de 35 anos". Dado que, apesar disso, a afirmação ainda consta do site do MDHC, solicitamos um posicionamento. 


O Ministério considerou nosso pedido duplicado e já respondido anteriormente.


Em nossa terceira tentativa, reiteramos o pedido de resposta ao Ofício 20/2024, que refutava as alegações do Sr. Alessandro Santos Mariano, o que foi finalmente feito em 02/07/2024, portanto 5 meses após o contato inicial da MATRIA.


O Formulário de Resposta ao Cidadão finalmente traz um posicionamento real, que será detalhado abaixo, posto que rico em significado:


II - Conforme bem demonstra a antropóloga e pesquisadora feminista Debora Diniz (link: www.instagram.com/tv/CTdI9Z_Bi5g/?igsh=dGpwc213MnNzemdm), a produção de conhecimento mais confiável é aquela que se coloca à prova e à disponibilidade de crítica, pois — ao construir pontes e diálogos, e, portanto, outras possibilidades de pergunta e novas respostas — apresenta sua faceta mais democrática. Uma pesquisa confiável, principalmente as produzidas no âmbito das ciências humanas, é aquela que sabe de suas limitações metodológicas e que não esconde suas paixões e engajamentos políticos no mundo, pois apresenta seus fundamentos, metodologias e dados com transparência. Portanto, não só o Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023, mas também o Relatório Descritivo da 1a Etapa do I Lesbocenso Nacional: Mapeamento de Vivências Lésbicas no Brasil são documentos produzidos pela Sociedade Civil que apresentam com clareza os caminhos escolhidos para representar um recorte preocupante da realidade, como a alarmante violência misógina no país. Além de que são pesquisas que só existem devido a uma insatisfação da sociedade com a mora das instituições políticas em considerar as idetidades LBTI (lésbicas, bissexuais, travetis, transexuais e mulheres intersexo) enquanto variável relevante em suas produções científicas; são denúncias capazes de cobrar e mobilizar o Estado a oferecer uma resposta contundente. É por causa de pesquisas como essas duas citadas que esta Secretaria Nacional firma um compromisso de fomentar e institucionalizar a produção de dados científicos sobre a comunidade LGBTQIA+, como é o caso do Acordo de Cooperação Técnica com o Instituto Matizes cujo objetivo é "a criação de uma ferramenta de análise de políticas e direitos LGBTQIA+ que permita aprofundar a produção, a avaliação, a sistematização e a leitura de dados e informações relacionadas à população LGBTQIA+, fortalecendo as políticas públicas e a difusão de conhecimento, bem como buscará colaborar com o aprimoramento da atuação de governos federais e estaduais, gabinetes parlamentares, órgãos e organismos públicos, organizações e organismos internacionais, órgãos de controle, organizações sociais e a sociedade civil relacionadas à pauta". As duas pesquisas, embora realizadas a partir do engajamento político-jurídico das Organizações Civis, apresentam, com sinceridade, retidão e transparência, a) os caminhos utilizados para visibilizar uma parcela da violência LGBTQIAfóbica no Brasil; b) as dificuldades e desafios na coleta de dados; c) os limites no reconhecimento das identidades analisadas e das fontes exploradas; e d) o entendimento de que as descobertas expostas não são oficiais, mas, sim, oficiosas, e por isso mesmo necessárias para alavancar o debate em outras esferas políticas e governamentais. Por fim, cabe ressaltar que o Dossiê em questão possui o reconhecimento e a validação de diversos pares institucionais, como o UNFPA - Fundo de População das Nações Unidas.


III - A partir dessa associação entre Ciência, Militância e Democracia, é importante considerar que metodologias cuja abordagem pertencem ao âmbito da "pesquisa liderada pela comunidade" (ou "community-led research") possuem valor perante as redes políticas de Direitos Humanos. O UNAIDS, por exemplo, no relatório Community-led monitoring in acon, de 2023 (link: https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/JC3085E_community-led-monitoring-in-action_en.pdf) demonstra a importância de comunidades locais realizarem suas próprias investigações, pesquisas, avaliações e levantamentos de dados referentes aos problemas e conflitos sociais que os perpassam. O Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023 é mais um relatório cujos fundamentos e métodos de realização se inscrevem nessa proposta metodológica de produzir ciência, a qual preza pela pró-atividade da própria comunidade afetada e interessada; no caso em tela, as pessoas transgênero.


IV - É de grande valia para o processo democrático o questionamento das informações prestadas pelo Governo Federal, pois isso estimula a qualificação dos mecanismos científicos e tecnológicos de produção de dados. Cabe, portanto, a este Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e a esta Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ a apreciação especial de pesquisas voltadas à ampliação dos Direitos Humanos, e não aquelas voltadas à restrição e estigmatização de determinadas individualidades e comunidades políticas. Dito isso, mister reafirmar que a SLGBTQIA+ tem seus esforços voltados para o planejamento estratégico, institucional e oficial, de dados quantitativos e qualitativos sobre a população LGBTQIA+ como um todo, pois se sabe que serão esses os dados responsáveis para a efetiva implementação de políticas públicas transversais, interseccionais e pluralistas neste país. (grifo nosso)


Alguns comentários iniciais a respeito desta resposta são que:

  1. a  MATRIA jamais afirmou que pesquisas lideradas pela comunidade não têm valor.

  2. Curiosamente, as citações da pesquisadora Debora Diniz só servem para reafirmar que os Dossiês da ANTRA não são produção de conhecimento confiável, posto que justamente não apresentam seus dados com transparência e portanto não se colocam "à prova à disponibilidade de crítica".

  3. Em que pese a menção ao Relatório Descritivo da 1a Etapa do I Lesbocenso Nacional: Mapeamento de Vivências Lésbicas no Brasil, que não foi posto em questão pela MATRIA, encontramos apenas duas menções ao mesmo no site do MDHC e uma no google, enquanto a propagação das falsas afirmações feitas nos Dossiês da ANTRA é constante, no site, em redes sociais e nos discursos dos integrantes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.


"É de grande valia para o processo democrático o questionamento das informações prestadas pelo Governo Federal, pois isso estimula a qualificação dos mecanismos científicos e tecnológicos de produção de dados", diz o Ministério em sua resposta. No entanto, em última instância, o que foi afirmado pela Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ (SLGBTQIA+) é que a mesma escolhe acreditar (sim, acreditar, posto que não há embasamento científico) nas afirmações dos Relatórios anuais da ANTRA porque estas seriam "voltadas à ampliação dos Direitos Humanos" e decide não levar em conta os questionamos ao Dossiê da ANTRA que replicam como se fossem dados oficiais ou as críticas que apresentamos e que comprovam sem sombra de dúvida a falsidade das mesmas. Nossas conclusões, segundo o órgão do governo, seriam "voltadas à restrição e estigmatização de determinadas individualidades e comunidades políticas." 


Cabe aqui ressaltar que a missão da MATRIA é garantir os direitos de mulheres e crianças e que nos manifestamos sobre temas relativos ao transativismo unicamente quando as demandas desse grupo infringem sobre nossos direitos.


Todos os Ofícios acima, bem como nossos reiterados pedidos de reunião, se dirigiram ao Ministro Silvio Almeida e a seu gabinete, nunca à SLGBTQIA+, posto que não nos interessa reunião com a mesma e sim com o Ministro dos Direitos Humanos, a quem cabe ouvir os diversos grupos da sociedade cujos direitos humanos estejam em risco e mediar eventuais conflitos.


Apesar disso e após 6 meses solicitando insistentemente por uma reunião, quando finalmente obtivemos uma resposta (idem), esta não apenas veio, mais uma vez, da SLGBTQIA+, como nos seguintes termos, que consideramos inaceitáveis para um órgão do Governo Federal:


A Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ agradece o pedido de reunião encaminhado, entretanto vem por meio deste elucidar que não há interesse de nossa parte no encontro proposto. Entendemos que há divergências políticas profundas entre o trabalho desempenhado por esta SLGBTQIA+ e o trabalho desenvolvido pela Organização MATRIA. Nossa atuação estará sempre atravessada pela efetivação da dignidade humana e do bem-estar de todas as pessoas, inclusive das pessoas transgênero. Portanto, vemos como infrutífero qualquer convite ao debate, dentro de nossa institucionalidade, que confronte as normativas e resoluções, baseadas na universalidade dos Direitos Humanos, que utilizamos como fonte e princípio de nossas ações.


Em um país supostamente democrático, é inaceitável que um órgão do governo considere "infrutífero qualquer convite ao debate" com aqueles de quem discorda. Igualmente grave é a afirmação de que apenas seu trabalho está do lado da "dignidade humana e do bem-estar de todas as pessoas", ignorando que mulheres e crianças são igualmente "pessoas" e que nosso bem-estar e dignidade humana estão sendo violados por uma série de políticas baseadas nas falsas afirmações que iniciaram toda esta troca de Ofícios.


A MATRIA, como representante legítima dos direitos de mulheres e crianças, seguirá pleiteando reuniões com todos os órgãos governamentais implicados nas alterações normativas que vêm impactando nossos direitos, bem como denunciando dados falsos e políticas que nos afetem negativamente.


Se você considera nosso trabalho importante, assine nossa Declaração de Representatividade, considere (no caso de mulheres) associar-se ou contribuir financeiramente através do pix matria@associacaomatria.com.


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