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Mãe ou parturiente - sobre o apagamento da realidade e o STF

Vimos essa semana os Ministros da mais alta corte do país deliberando sobre o apagamento da palavra “mãe", em uma cena trágica e patética.


Esse debate decorreu de um processo protocolado pelo PT (ADPF 787) no STF contra o SUS, sob a falsa alegação de que pessoas que negam o sexo que tem (pessoas autodeclaradas trans) não estariam sendo atendidas no Sistema de Saúde.


Segundo argumentou o PT, “entraves” no âmbito do SUS impediriam o acesso dessas pessoas ao atendimento de saúde condizente com suas necessidades. O PT não apresentou qualquer evidência disso. Nenhum exemplo de impedimento de atendimento. Nada além de narrativa, foi fornecido na petição do PT


Então, quais eram os “entraves”? Que o SUS só aceitava que certos exames e procedimentos fossem agendados para um ou outro sexo. Ou seja, uma pessoa do sexo masculino que nega seu sexo e se apresenta ao SUS enquanto "mulher" não conseguia marcar um exame de próstata, disponível apenas para para o sexo masculino.



Depois da ADPF ser julgada procedente, o SUS foi obrigado a aderir ao negacionismo científico na saúde, na qual absolutamente todos os protocolos dependem do sexo do paciente, e iniciou o processo absurdo de não mais vincular cada procedimento ao sexo que deve realizá-lo. Por isso, hoje no sistema DATASUS tanto uma cesárea quanto uma cirurgia para fimose podem ser realizadas “para ambos os sexos”.


Mas isso, aparentemente, não foi o suficiente e a ADPF 787 também questionou a vinculação do sexo biológico à categoria "mãe" nas Declarações de Nascido Vivo (DNV), o primeiro documento emitido para todos os bebês nascidos vivos no país, o que foi objeto deste mais recente debate entre os ministros.


Na petição, o Partido dos Trabalhadores fez várias afirmações equivocadas, como, por exemplo:

tem havido a errônea vinculação das categorias de “pai” e “mãe” ao sexo atribuído ao nascer. Consequências deste problema são situações como, por exemplo,homens trans que – tendo gestado seus filhos – são pais biológicos acabam por ser incluídos no DNV como “mães”, com base no único e arbitrário critério de possuírem capacidade gestativa.
Não bastasse as barreiras impostas pelos sistemas de informação do SUS, há, ainda, a emissão de Declaração de Nascido Vivo, em que as categorias “pai” e “mãe” além de limitantes – posto que a filiação pode ser composta de outras maneiras como, por exemplo, por duas mães – têm sido preenchidas de forma inadequada.
Garantir o registro, na Declaração de Nascido Vivo e em documentos correlatos, dos nomes dos genitores de acordo com sua identidade de gênero, independentemente de ser ou não parturiente.

A partir dessa petição, os ministros passaram então a deliberar sobre os termos a usar para substituir “mãe”. Isso porque o PT, dando voz a ativistas, alega que a palavra “mãe” não apenas “não é inclusiva”, como pode ser ofensiva para o grupo de pessoas que negam seu próprio sexo. A ofensa de mudança para a quase totalidade das mulheres que são mães claramente não vem ao caso, pois não se trata verdadeiramente de prevenir ofensas e sim de um projeto consistente de ataque às mulheres e crianças.


Ressaltamos a fala do Ministro Fachin, em suposta “defesa dos direitos das minorias”, que alegou que o termo “parturiente” seria para incluir, “mulheres cisgênero e homens trans gestantes”.


"O vocábulo parturiente compreende, evidentemente, a mãe, como também o homem trans que vai ao parto e que, embora não se reconheça como mãe, biologicamente é parturiente."

 

A noção de inclusão aqui evidentemente está distorcida pois incluir não significa aceitar crenças como parte da realidade coletiva e nem alienar a maioria esmagadora da população, que não adota tais crenças. Se existem pessoas que acreditam ser de outro sexo, em um Estado laico isso não deve ser validado pelas instâncias legais, pois trata-se de algo que deve ficar subscrito ao âmbito da crença pessoal.


Importante ainda destacar, em relação à fala acima, que nós, mulheres brasileiras, rejeitamos o rótulo “cisgênero”. Não somos um subtipo de mulher, dado que não existe um outro tipo de mulher, mulher portadora de próstata e pênis.  


Essa mudança nos termos “mãe” e “pai” nos documentos oficiais tem consequências em diversos âmbitos, como veremos a seguir. A mais objetiva é gerar insegurança jurídica e administrativa, pois a DNV tem como função fornecer informações com clareza e precisão, além de garantir o reconhecimento dos vínculos familiares. 


Omitir as categorias mãe e pai da DNV - Declaração de Nascido Vivo do SUS também viola os direitos de um sujeito que até agora ninguém mencionou: a criança.


É direito da criança ter o registro da realidade. É direito da criança saber sua origem, quem é a mãe e quem é o pai, e ter essa informação sem qualquer viés ideológico, pois nenhuma criança é parida por uma pessoa do sexo masculino. Homens não gestam e não entram em trabalho de parto. 


O Manual de instruções para preenchimento da Declaração de Nascido Vivo do MINISTÉRIO DA SAÚDE, de 2022,  já ignora a realidade:


Na maior parte dos casos, os responsáveis legais serão o pai e a mãe biológicos do recém-nascido. No entanto, considerando o Provimento n.º 63 de 2017 e também o Provimento n.º 83 de 2019 da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), fica estabelecido como recomendação, com base na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4.275/DF, que seja contemplada a filiação, independentemente da identidade de gênero, como nos casos de reprodução assistida, casais transgêneros, união homoafetiva e outras situações similares. Dessa forma, ficou regulamentada a não utilização dos termos “pai” e “mãe”, devendo constar apenas no campo “Responsável legal” o(s) nome(s) do(s)/da(s) genitor(es/as), bem como não se deve fazer referência aos complementos “maternos” e “paternos”, no que diz respeito aos ascendentes. 

A definição de “mãe” e “pai” é clara e universal. Os termos pretensamente “neutros” na verdade não o são, mas ao contrário, são propositadamente confusos e errados, afirmam mentiras e assim deveriam ser tratados: como uma falsidade e não como um direito.


O pedido de alteração feito pelo PT também viola os direitos das mães e mais uma vez trabalha no sentido de invisibilizar mulheres.


A “nova” nomenclatura proposta pelos Ministros não tem nada de novo, pois remete a um passado não tão distante na história das mulheres ao transformar a mãe em mera “parturiente", enquanto o pai se torna o “responsável legal”: tal configuração familiar vigorou por milênios em todo o mundo e ainda vigora nos países nos quais o homem exerce o pátrio poder sobre crianças e sobre aquela que é considerada pela sociedade como mera parideira de seus herdeiros. 


No Afeganistão, até 2020 todas as crianças tinham registro com o nome do pai, mas não da mãe, porque mulheres não são consideradas sujeitos de direitos e sim propriedades dos homens. Tal direito certamente está novamente ameaçado sob as novas regras do Talibã que proíbe as mulheres de sequer falarem em público. Somos capazes, no Ocidente, de reconhecer a opressão que tais regras religiosas representam, mas a maioria ignora que, por outros meios, aqui também as mulheres estão sendo progressivamente apagadas do vocabulário e da cultura, movimento no qual se insere esse novo debate pelo STF.


Um outro aspecto preocupante é referente à “barriga de aluguel”. Embora ainda não tenhamos no Brasil leis que permitam a compra de bebês através do que é eufemisticamente chamado de “gestação sub rogada” ou mais popularmente “barriga de aluguel”, é notório que o instituto da “barriga solidária” vem sendo usado com fins comerciais e que uma série de celebridades vêm propagando tal exploração de mulheres e violência contra bebês como forma aceitável de realizar seus desejos. Mudanças de linguagem contribuem para a naturalização dessas questões, criando assim o clima propício a uma futura alteração legal e é portanto extremamente preocupante que o STF esteja propondo uma mudança culturalmente essencial para que iniciativas como a “gestação sub rogada” prosperem no país: quem pariu não é mais a mãe, representante legal é quem compra o bebê.


De acordo com o portal Migalhas, o julgamento foi novamente suspenso, após pedido de vistas pelo relator, ministro Gilmar Mendes. Os ministros devem decidir, oportunamente, se o formulário deve manter apenas os termos “parturiente” e “responsável legal” ou deixar a opção de “parturiente/mãe” e “responsável legal/pai”.


Alterar a realidade para ‘incluir’ pessoas que negam o seu sexo não é um direito, é uma reinvidicação sem legitimidade e que viola os direitos de crianças e mães em específico, de mulheres em geral, mas tem também consequências para toda a sociedade, por ser uma chancela estatal para a falsidade ideológica e o falseamento da realidade que todos partilhamos.

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