Texto traduzido por WKB para a MATRIA
Após a publicação do relatório final, houve uma série de perguntas e pontos para esclarecimento sobre as conclusões e recomendações. Nós agrupamos essas perguntas, juntamente com nossas respostas, nesta página.
A Revisão estabeleceu uma rigidez maior para as evidências do que seria esperado normalmente?
Não; a abordagem para a avaliação da qualidade do estudo foi a mesma que seria aplicada a outras áreas da prática clínica – a rigidez não foi maior para esta Revisão.
Esclarecimento:
O mesmo nível de rigor deve ser esperado ao se debruçar sobre as melhores abordagens de tratamento para esta população e para qualquer outra população, de modo a não perpetuar a posição desfavorecida em que este grupo foi colocado ao buscar informações sobre as opções de tratamento.
As revisões sistemáticas realizadas pela Universidade de York como parte do programa de pesquisa independente da Revisão são as maiores e mais abrangentes até o momento. Eles analisaram 237 artigos de 18 países, fornecendo informações sobre um total de 113.269 crianças e adolescentes.
Todos os artigos de pesquisa da revisão sistemática da Universidade de York foram submetidos a revisão por pares, uma pedra angular do rigor e da integridade acadêmica para garantir que os métodos, achados e interpretação dos resultados atendiam aos mais altos padrões de qualidade, validade e imparcialidade.
A Revisão rejeitou estudos que não eram estudos clínicos randomizados duplo-cegos em sua revisão sistemática de evidências para bloqueadores de puberdade e hormônios masculinizantes/feminilizantes?
Não. Não foram localizados estudos controle randomizados nas revisões sistemáticas, mas outros tipos de estudos foram incluídos se foram bem desenhados e conduzidos.
Esclarecimento:
A revisão encomendou à Universidade de York a condução de um programa de pesquisa independente para garantir que o trabalho da Revisão e suas recomendações fossem embasados pela evidência mais robusta existente. Isto incluiu uma série de revisões sistemáticas que reuniram, analisaram e avaliaram as evidências existentes em uma série de questões relacionadas ao atendimento de crianças e jovens que questionam o gênero, incluindo epidemiologia, abordagens de tratamento e modelos internacionais da prática atual.
Estudos controle randomizados são considerados o padrão-ouro em relação a pesquisa, mas existem muitos outros desenhos de estudo que podem fornecer informações valiosas. A Caixa Explicativa 1 (páginas 49-51 do relatório final) discute com mais detalhes os diferentes tipos de estudos que podem ser usados e como decidir se um estudo é mal desenhado ou enviesado.
O cegamento é um problema separado. Ele significa que o paciente ou o pesquisador não sabem se o paciente está recebendo um tratamento ativo ou um 'controle' (que pode ser outro tratamento ou um placebo). Os pacientes não podem estar em condição cega sobre estarem ou não recebendo bloqueadores de puberdade ou hormônios masculinizantes/feminilizantes porque os efeitos se tornariam óbvios rapidamente. Bons Estudos Clínicos Randomizados (RCTs) podem ser conduzidos sem cegamento.
A busca na revisão sistemática da Universidade de York não identificou nenhum RCT, cego ou não, mas muitos outros estudos foram incluídos. A maioria dos estudos incluídos foram chamados de 'estudos de coorte’. Estudos de coorte de alta qualidade bem desenhados e bem executados são utilizados em outras áreas da medicina e a rigidez não foi maior para esta revisão; mesmo assim, a qualidade dos estudos foi, em sua maioria, avaliada apenas como moderada.
A Revisão rejeitou 98% dos artigos que demonstram os benefícios do cuidado afirmativo?
Não. Foram identificados estudos para inclusão na síntese (conclusões) das revisões sistemáticas sobre bloqueadores de puberdade e hormônios masculinizantes/feminilizantes com base em sua qualidade. Isto foi avaliado utilizando uma ferramenta padrão de avaliação da qualidade adequada aos tipos de estudo identificados. Todas as revisões de qualidade alta e moderada qualidade foram incluídas na síntese dos resultados. Isto totalizou 58% dos 103 artigos.
Esclarecimento:
A escala Newcastle-Ottawa (ferramenta padrão de avaliação) foi utilizada para comparar os estudos. Esta escala estabelece pontuações para itens como seleção dos participantes, comparabilidade dos grupos (o quanto são parecidos), os resultados dos estudos e como estes foram avaliados (dados fornecidos e se são representativos do que foi estudado). Estudos de alta qualidade (pontuação >75%) pontuariam bem na maioria desses itens; estudos de qualidade moderada (pontuação >50% – 75%) teriam alguns elementos faltando (o que poderia afetar os resultados); e estudos de baixa qualidade teriam pontuação de 50% ou menos nos itens aos quais a escala foi aplicada. Uma grande fraqueza dos estudos foi o fato de não terem um acompanhamento adequado – em muitos casos não acompanharam os jovens durante tempo suficiente para que os resultados a longo prazo fossem compreendidos.
Como o ranking foi baseado em como os estudos foram realizados (sua qualidade e execução), pesquisas de baixa qualidade foram removidas antes que os resultados fossem analisados, pois os achados não podiam ser completamente confiáveis. Caso um RCT estivesse disponível, ele também teria sido excluído da revisão sistemática se fosse considerado de má qualidade.
A revisão sistemática sobre bloqueadores de puberdade incluiu 50 estudos. Um era de alta qualidade, 25 eram de qualidade moderada e 24 eram de baixa qualidade. A revisão sistemática de hormônios masculinizantes/feminilizantes incluiu 53 estudos. Um era de alta qualidade, 33 eram de qualidade moderada e 19 eram de baixa qualidade.
Todas as revisões de qualidade alta e moderada foram incluídas; porém, como apenas dois dos estudos entre estas duas revisões sistemáticas foram identificados como sendo de alta qualidade, isto tem sido mal interpretado por alguns como apenas dois estudos tendo sido considerados e o restante como sendo descartado. Na realidade, as conclusões foram baseadas nos estudos de alta qualidade e qualidade moderada (ou seja, 58% do total de estudos baseados na avaliação da qualidade). Mais informações sobre este processo estão incluídas na Caixa 2 (páginas 54-56 do relatório final)
A Revisão recomendou que ninguém deve fazer a transição antes dos 25 anos e que a competência de Gillick deveria ser derrubada?
Não. A revisão não comentou sobre o uso de hormônios masculinizantes/feminilizantes em pessoas com mais de 18 anos. Isto está fora do escopo da Revisão. A Revisão não afirmou que a competência de Gillick deveria ser derrubada.
A Revisão recomendou que:
“O NHS da Inglaterra deve garantir que cada Centro Regional tenha um serviço de acompanhamento para jovens de 17 a 25 anos, seja estendendo a gama de serviços regionais para crianças e jovens, seja através de serviços conectados, para garantir a continuidade do atendimento e apoio em uma fase potencialmente vulnerável da sua jornada. Isto também permitirá que dados de acompanhamento clínico e de pesquisa sejam coletados.”
Esta recomendação refere-se apenas às pessoas encaminhadas para o serviço de crianças e jovens antes dos 17 anos de idade para permitir que seu atendimento seja continuado dentro do serviço de acompanhamento até os 25 anos de idade.
Esclarecimento:
Atualmente, os jovens recebem alta do serviço dos jovens aos 17 anos de idade, muitas vezes para uma clínica de gênero para adultos. Alguns desses jovens têm recebido atendimento direto do serviço de gênero do NHS (GIDS) e outros ainda não chegaram ao topo da lista de espera e ficaram “velhos demais” para ainda poderem receber serviço para jovens, antes mesmo da primeira consulta.
A Revisão compreende que este é um momento particularmente vulnerável para os jovens. Um serviço de acompanhamento que continuasse até os 25 anos eliminaria a necessidade de transição (ou seja, transferência) para serviços adultos e apoiaria a continuidade do atendimento e o acesso contínuo a uma equipe multidisciplinar mais ampla. Isto seria consistente com outras áreas de serviços que apoiam os jovens que estão se transferindo seletivamente para um serviço de ‘0-25 anos’ para melhorar a continuidade do atendimento.
O serviço de acompanhamento também beneficiaria aqueles que procuram apoio de serviços de gênero para adultos, uma vez que estes jovens não seriam adicionados à lista de espera de serviços para adultos e, a longo prazo, à medida que se estabelecessem mais serviços de gênero, a capacidade de prestação de serviço para adultos em todo o país seria aumentada.
As pessoas com 18 anos ou mais, que foram encaminhadas para o serviço de gênero de crianças e jovens do NHS, ainda seriam encaminhadas diretamente para clínicas de adultos.
A Revisão recomenda que os bloqueadores de puberdade sejam banidos?
Não. Os medicamentos bloqueadores de puberdade são usados para tratar várias condições diferentes. A Revisão considerou as evidências em relação à segurança e eficácia (benefício clínico) dos medicamentos para uso em jovens com incongruência de gênero/disforia de gênero.
A Revisão descobriu que não se sabe o suficiente sobre os impactos a longo prazo dos bloqueadores de puberdade para crianças e jovens com incongruência de gênero para saber se eles são seguros ou não, nem quais crianças podem se beneficiar de seu uso.
Antes da publicação do relatório final, o NHS da Inglaterra tomou a decisão de interromper o uso de rotina de bloqueadores da puberdade para incongruência de gênero/disforia de gênero em crianças. O NHS da Inglaterra e o National Institute for Health and Care Research (Instituto Nacional para Pesquisa em Saúde e Atendimento - NIHR) estão estabelecendo um estudo clínico para garantir que os efeitos dos bloqueadores da puberdade possam ser monitorados com segurança. Dentro deste estudo, os bloqueadores da puberdade estarão disponíveis para crianças com incongruência/disforia de gênero, onde há concordância clínica de que o indivíduo pode se beneficiar de tomá-los.
Esclarecimento:
Os bloqueadores da puberdade têm sido usados para suprimir a puberdade em crianças e jovens que iniciam a puberdade muito cedo (puberdade precoce). Eles foram submetidos a testes extensivos para uso em puberdade precoce (uma indicação muito diferente do uso na disforia de gênero) e cumpriram requisitos rigorosos de segurança para serem aprovados para esta condição. Isto ocorre porque os bloqueadores de puberdade estão suprimindo os níveis hormonais que estão anormalmente altos para a idade da criança.
Isto é diferente de interromper o aumento normal de hormônios que ocorre na puberdade. Os hormônios da puberdade são necessários para o desenvolvimento psicológico, psicossexual e cerebral, e ainda não há informações suficientes sobre os riscos de interromper a influência dos hormônios da puberdade nesta fase crítica da vida.
Ao decidir se certos tratamentos devem ser rotineiramente disponíveis através do NHS, demonstrar que um medicamento não causa danos não é o suficiente: é preciso demonstrar que ele proporcionará benefício clínico em um grupo definido de pacientes.
Nos últimos anos, a idade mais comum em que os jovens têm recebido bloqueadores de puberdade na Inglaterra é 15 anos, quando a maioria dos jovens já está com sua puberdade bem avançada. Os novos serviços analisarão as melhores abordagens para apoiar os jovens durante este período em que ainda estão tomando decisões sobre opções a longo prazo.
A Revisão recomendou que a transição social só deveria ser realizada sob orientação médica?
A Revisão aconselhou que uma abordagem mais cautelosa em torno da transição social precisa ser usada para crianças pré-púberes do que para adolescentes e recomendou que:
“Quando as famílias/cuidadores estão tomando decisões sobre a transição social das crianças pré-púberes, os serviços devem garantir que elas possam ser consultadas o mais cedo possível por um profissional clínico com experiência relevante.”
Os pais são incentivados a procurar ajuda e aconselhamento médico ao decidir como apoiar uma criança com incongruência de gênero e devem ser priorizados na lista de espera para consulta antecipada sobre esta questão. Isto deve incluir a discussão dos riscos e benefícios e a voz da criança deve ser ouvida. Será importante que a flexibilidade seja mantida e as opções permaneçam abertas.
Esclarecimento:
Embora a revisão sistemática da Universidade de York tenha constatado que não há evidências claras de que a transição social na infância tenha resultados positivos ou negativos na saúde mental, há estudos que demonstram que, para a maioria das crianças jovens que apresentam incongruência de gênero, isso se resolve durante a puberdade. Há também evidências de estudos de jovens com Distúrbios do Desenvolvimento Sexual (DSD) de que o sexo de criação parece ter alguma influência no desfecho de gênero final, e é possível que a transição social na infância possa alterar a trajetória do desenvolvimento da identidade de gênero para crianças com incongruência precoce de gênero. Viver em sigilo [“living in stealth” - termo usado para descrever uma pessoa que vive como se fosse uma pessoa do gênero com o qual se identifica, sem as outras pessoas saberem que seu gênero é diferente do sexo de nascimento] desde a primeira infância também pode levar a estresse, principalmente à medida em que a puberdade se aproxima.
Há evidências relativamente fracas em relação a qualquer efeito da transição social na adolescência. A Revisão reconhece que, para adolescentes, a exploração é um processo normal, e estereótipos binários rígidos de gênero podem ser inúteis. Muitos adolescentes passarão por um período de não conformidade de gênero em termos de expressões externas (por exemplo, corte de cabelo, maquiagem, roupas e comportamentos). Eles também têm maior autonomia na forma como se apresentam e na tomada de decisões.
Jovens e jovens adultos falaram positivamente sobre como a transição social ajudou a reduzir sua disforia de gênero e a se sentirem mais confortáveis consigo mesmos. Eles identificaram que um espaço para falar sobre transição social e como lidar com conversas com pais/cuidadores e outras pessoas seria útil. A Revisão aconselhou, portanto, que é importante tentar garantir que aqueles que já estão ativamente envolvidos no bem-estar do jovem forneçam apoio na tomada de decisões e que existam planos concretos para garantir que o jovem esteja protegido do bullying e que tenha uma fonte confiável de apoio.
Mais detalhes podem ser encontrados no Capítulo 12 do Relatório Final.
A Revisão conversou com pessoas que questionam gênero e com pessoas trans ao desenvolver suas recomendações?
Sim, a revisão foi apoiada por um extenso programa de envolvimento proativo, descrito no Capítulo 1 do relatório. A Revisão se reuniu com mais de 1000 indivíduos e organizações em toda a pluralidade de opiniões sobre este assunto, mas priorizou duas categorias de partes interessadas:
Pessoas com experiência vivida relevante (direta ou como pai/cuidador) e organizações que trabalham com crianças e jovens LGBTQ+ em geral.
Médicos e outros profissionais relevantes, com experiência e/ou responsabilidade em fornecer atendimento e apoio a crianças e jovens dentro de serviços especializados de gênero e além.
Foi adotada uma abordagem de métodos mistos, que incluiu sessões semanais de escuta com pessoas com experiência vivida, reuniões a cada 6 semanas com grupos de apoio e defesa ao longo do curso da Revisão, e focus groups com jovens e jovens adultos.
Relatórios dos focus groups com jovens com experiência vivida estão publicados no website da Revisão e a aprendizagem destas sessões e das sessões de escuta são representadas no relatório final.
A Revisão também encomendou pesquisa qualitativa da Universidade de York, que conduziu entrevistas com jovens, jovens adultos, pais e médicos. Um resumo dos resultados desta pesquisa foi incluído como apêndice 3 do relatório final.
Qual é a posição da Revisão sobre a terapia de conversão?
Embora os termos de referência da Revisão não incluam a consideração da legislação proposta para banir as práticas de conversão, acreditamos que nenhum grupo LGBTQ+ deve ser submetido à prática de conversão. A Revisão também mantém a posição de que crianças e jovens com disforia de gênero podem ter uma série de desafios psicossociais complexos e/ou problemas de saúde mental que impactam sua angústia relacionada ao gênero. A exploração destas questões é essencial para fornecer diagnóstico, suporte clínico e intervenção adequados.
A intenção da intervenção psicológica não é mudar a percepção da pessoa de quem ela é, mas trabalhar com ela para explorar suas preocupações e experiências e ajudar a aliviar sua angústia, independentemente de ela seguir um caminho médico ou não. É prejudicial igualar esta abordagem à terapia de conversão, pois isto pode impedir que os jovens tenham o apoio emocional que merecem e fazer com que os médicos tenham medo de fornecer a este grupo de crianças e jovens o mesmo atendimento que é fornecido a outras crianças e jovens.
Nenhum treinamento formal baseado em ciência em psicoterapia, psicologia ou psiquiatria ensina ou defende terapia de conversão. Se um indivíduo realizasse tais práticas, estaria agindo fora da orientação profissional, e isto seria uma questão para a autoridade reguladora relevante.
A Dra. Cass se reuniu com organizações de apoio e defesa após a publicação do relatório?
A Dra. Cass reuniu-se com organizações de apoio e defesa em 17 de abril de 2024. As organizações compartilharam preocupações sobre a desinformação que está sendo espalhada sobre o conteúdo do relatório e o que significava para as crianças e jovens que procuram apoio. A Dra. Cass respondeu a uma série de perguntas que os jovens e suas famílias levantaram junto às organizações.
Após a reunião, o Kite Trust (que é uma pequena organização de jovens com foco local) produziu um “caçador de mitos” para apoiar seus jovens trabalhadores na resposta a perguntas dos jovens que eles apoiam. O Kite Trust o enviou para a equipe de Revisão (em 17 de abril), mas não indicou a intenção de publicar. O “caçador de mitos” foi publicado em seu website no dia seguinte à reunião (18 de abril) antes que a Revisão tivesse revisto seu conteúdo e a Revisão não assinou o documento.
Infelizmente, isso foi alavancado rapidamente nas redes sociais e foi usado para atacar a credibilidade da Revisão e a integridade do Kite Trust. A Revisão compreende que não houve intenção do Kite Trust (ou de qualquer uma das outras organizações presentes) de desvirtuar a reunião. Embora a linguagem usada não fosse aquela que a Revisão usa, a declaração do Kite Trust não representou os comentários literais da Dra. Cass. Sua intenção era corrigir alguns equívocos, foi redigido para ser acessível aos jovens que eles apoiam e que estão ansiosos e preocupados com o que estão ouvindo. A Revisão emitiu suas próprias FAQs, que representam a posição da Revisão sobre os assuntos levantados.
O Kite Trust e outras organizações de apoio e defesa se engajaram com a Revisão de forma positiva e construtiva. A declaração foi destinada a abordar equívocos e foi impulsionada pela preocupação com os jovens que estão no centro da Revisão.