O escotismo chegou ao Brasil em 1910 com a fundação do centro "Boys Scouts of Brazil", no Rio de Janeiro. Apenas quatro anos depois, em 1914, as mulheres também passaram a integrar os grupos e atividades. Foi uma entidade reconhecida como séria e respeitada pelas famílias e pela sociedade — até então.
No final de 2024, os pais de escoteiros e escoteiras foram surpreendidos com a implementação da Nova Política de Diversidade e Inclusão, anunciada pelo escritório nacional dos Escoteiros do Brasil.
O documento substitui a Política de 2021, que já trazia diretrizes para a inclusão de jovens PCD, com diversidade étnica e socioeconômica.
A grande surpresa e preocupação para as famílias é uma das diretrizes sobre o item DIVERSIDADES SEXUAIS E IDENTIDADES DE GÊNERO - “Boas práticas relacionadas às diversidades sexuais e identidades de gênero”, na pág 24, com o trecho em destaque abaixo:
Uso de espaços comuns - Compreendemos que o sexo biológico não deve ser o critério para a designação de espaços comuns, como barracas e banheiros compartilhados. Em vez disso, deve-se considerar a identidade de gênero. É importante promover o diálogo entre as pessoas que compartilharão esses espaços para resolver possíveis impasses e garantir que todos se sintam confortáveis, respeitando a identidade de gênero e as distintas compreensões dos associados. Em atividades e eventos, é essencial respeitar as necessidades específicas, oferecendo flexibilidade de opções para evitar constrangimentos.
A nova diretriz elimina a separação de espaços por sexo, tornando barracas, banheiros e alojamentos unissex. Com isso, as meninas, que anteriormente contavam com espaços exclusivos para dormir e utilizar o banheiro, perderam essa privacidade. A medida, justificada como parte de uma suposta "inclusão", desconsidera a importância da separação para garantir a segurança das meninas.
Para esclarecimento, traremos abaixo alguns pontos importantes que estão sendo desconsiderados quando o assunto envolve a proteção dos espaços exclusivos para mulheres e meninas:
O “sexo” é um critério material e imutável. As pessoas não mudam de sexo
O que chamam de gênero é algo mutável e auto declarável, tendo já listas com mais de 70 gêneros.
O Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, do qual o Brasil é signatário, que afirma que “Para os fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a mulher" significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.”
O decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002 que define: Para efeitos do presente Estatuto, entende-se que o termo "gênero" abrange os sexos masculino e feminino, dentro do contexto da sociedade, não lhe devendo ser atribuído qualquer outro significado.
Os espaços íntimos sem distinção de sexo são mais propensos a crimes de assédio.
Já há casos de abusos morais e sexuais dentro de banheiros "por gênero" contra mulheres.
A NR 24 - condições sanitárias e de conforto nos locais de trabalho, que em seu item 24.2.2 meciona de forma clara “banheiros separados por sexo”.
O Acórdão da ADO 26, que já foi publicado, afirma que “nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, ainda que integrantes de grupos minoritários.”
A RE 845.779, que versava sobre o tema de banheiros “por gênero” no STF, não teve seu mérito julgado e foi cancelada por maioria pelos Ministros.
A MATRIA enviou ofício para os Escoteiros solicitando algumas informações adicionais e trazendo alguns questionamentos:
Meninas que se autodeclaram do "gênero masculino", ou de nenhum gênero, usarão barracas e banheiros masculinos?
Meninos que se autodeclaram do "gênero feminino", ou de nenhum gênero usarão barracas e banheiros femininos?
Adultos do sexo masculino que se autodeclararem serem do "gênero feminino" irão dividir os mesmos espaços de meninas, nos banheiros, barracas e vestiários?
As meninas que não quiserem dividir espaços íntimos com pessoas do sexo masculino, serão respeitadas?
Os pais serão avisados caso haja pessoas do sexo masculino dividindo espaços íntimos com meninas?
O direito a espaços separados por sexo, e o constrangimento de meninas, ao dividir espaços íntimos com pessoas do sexo masculino foi considerado na elaboração de tal política?
Em nome de uma inclusão que ignora aspectos biológicos e culturais amplamente reconhecidos, as novas diretrizes colocam meninas em situações potencialmente desconfortáveis e até em risco, desconsiderando a importância de preservar a privacidade e a segurança em ambientes compartilhados. Essa mudança não só fragiliza a confiança das famílias na instituição, mas também questiona a capacidade do movimento escoteiro de equilibrar inclusão com proteção efetiva. Cabe agora à sociedade, aos pais e às autoridades refletirem e dialogarem sobre como alcançar um modelo que seja verdadeiramente inclusivo, sem abrir mão da segurança, inclusão e do bem-estar das meninas.
Abaixo o conteúdo do oficio remetido à União dos Escoteiros do Brasil:
Joinville, 14 de janeiro de 2025
Ofício MATRIA n.º 02/2025
Destinatário: União dos Escoteiros do Brasil
Assunto: Sobre a segurança de meninas escoteiras.
Prezados,
A MATRIA - MULHERES ASSOCIADAS, MÃES E TRABALHADORAS DO BRASIL, pessoa jurídica de direito privado, suprapartidária, sem fins lucrativos, com autonomia administrativa e financeira, de âmbito nacional e constituída por administração coletiva, que realiza a tutela das mulheres e crianças do Brasil, vem por meio deste solicitar mais informações sobre a Política Nacional de Diversidade e Inclusão:
Algumas famílias nos procuraram preocupadas pois a partir da publicação dessa nova política, os espaços íntimos, como banheiros e barracas não serão mais separados por sexo, como têm sido há mais de 100 anos desde a fundação da entidade. Agora serão separados por "identidade de gênero".
A autoidentificação de gênero transforma, na prática, espaços anteriormente separados por sexo em espaços unissex. Isso porque permite que qualquer pessoa se declare mulher a qualquer momento, sem a necessidade de documentação, cirurgias ou laudos médicos. Isso significa que qualquer homem pode se identificar como mulher a qualquer momento e, portanto, ter acesso a banheiros e vestiários femininos, tornando esses espaços não exclusivos para mulheres.
Transformar os banheiros em espaços unissex é um perigo. Uma pesquisa do The Sunday Times revelou que 90% dos casos de estupro e abuso sexual em piscinas e centros esportivos públicos do Reino Unido aconteceram em vestiários ou banheiros unissex. A tragédia do Rio Grande do Sul mostrou o que acontece quando colocamos mulheres e crianças em ambientes mistos de uso coletivo. Mulheres e crianças desabrigadas tiveram que usar banheiros coletivos e dormir no colchão ao lado dos seus agressores. Rapidamente os casos de violência e estupro se multiplicaram. E foi preciso criar urgentemente abrigos exclusivos separados por sexo.
Ressaltamos à União dos Escoteiros do Brasil que não há legislação que obrigue espaços públicos a tornarem seus banheiros unissex e chamamos atenção para a recente decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 845.779: o STF negou seguimento ao pedido de que a abordagem de pessoa que se autodeclara trans para utilizar banheiro do sexo oposto configurasse conduta ofensiva à dignidade da pessoa humana e aos direitos da personalidade, indenizável a título de dano moral.
A União dos Escoteiros do Brasil, ao tomar a decisão de tornar os banheiros femininos separados por gênero (ou seja, unissex), está colocando em risco a privacidade, o bem-estar e a segurança de meninas e mulheres.
Os inúmeros vídeos facilmente encontrados na internet, em sites públicos e redes sociais, com cenas de pessoas do sexo masculino autodeclaradas trans se masturbando com espaços femininos demonstram que a prática dos crimes do Capítulo VI do Código Penal Brasileiro - Do ultraje público ao pudor (Ato obsceno, Art. 233; Art. 215-A; Art. 218-A) é extremamente comum quando se franqueia espaços de intimidade de mulheres e meninas ao sexo masculino. Neste fio da rede social X (antigo Twitter) foram compilados diversos vídeos de pessoas do sexo masculino que autodedeclaram trans se masturbando em banheiros públicos femininos, ou seja, praticando tanto ato obsceno quanto libidinoso: https://x.com/savefemspaces/status/1544830284838871045?s=19.
Igualmente comuns são fotos e vídeos realizados por pessoas do sexo masculino, expondo a nudez de mulheres e meninas em banheiros públicos, o que se enquandra em Registro não autorizado da intimidade sexual, conforme Código Penal:
Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.
A MATRIA já produziu um documento completo explicando detalhadamente como a eliminação do creiterio de sexo para uso de espaços intimos coletivos, como banheiros, vestiários, é uma violação dos direitos humanos de mulheres e meninas. O documento está disponível em nosso site e pode ser acessado aqui: Espaços exclusivos femininos | MATRIA
O risco de agressões sexuais e estupros também aumenta em banheiros sem a distinção por sexo, dado que, assim como os demais crimes já mencionados acima, são "crimes de oportunidade" (Professor de Direito da UNIR alerta sobre crime de importunação sexual no carnaval), ou seja, quanto mais acesso é dado às vítimas em potencial, mais serão cometidos.
O único estudo de longo-prazo existente sobre a população transexual no mundo inteiro é um estudo Sueco que acompanhou todos aqueles que transacionaram no país ao longo de 30 anos: Long-Term Follow-Up of Transsexual Persons Undergoing Sex Reassignment Surgery: Cohort Study in Sweden | PLOS ONE. Observa-se que aqui trata-se de pessoas transexuais, ou seja, que fizeram uso de hormônios sintéticos e realizaram cirurgias para emular características do sexo oposto, o que nem sempre é o caso de pessoas hoje denominadas transgênero com base em uma simples autodeclaração de que se considera do sexo ou gênero oposto.
Para os fins deste Ofício, destacamos a seguinte conclusão do estudo acima mencionado:
Second, regarding any crime, male-to-females had a significantly increased risk for crime compared to female controls (aHR 6.6; 95% CI 4.1–10.8) but not compared to males (aHR 0.8; 95% CI 0.5–1.2). This indicates that they retained a male pattern regarding criminality. The same was true regarding violent crime.
Em tradução livre:
Em segundo lugar, em relação a todos os crimes, pessoas do sexo masculino que transicionaram para o gênero feminino apresentaram um risco de cometer crimes elevado em relação ao grupo de controle do sexo feminino (aHR 6.6; 95% CI 4.1–10.8), mas não comparado ao sexo masculino (aHR 0.8; 95% CI 0.5–1.2). Isso indica que essas pessoas mantêm um padrão de criminalidade masculino. O mesmo foi verdade em relação a crimes violentos.
Ou seja, todas as pessoas do sexo masculino têm, estatisticamente, o mesmo padrão de criminalidade, independente de terem ou não realizado procedimentos considerados de transição de gênero.
Considerando que:
a violência contra mulheres e crianças é masculina;
o padrão de violência masculina não se altera com a transição de gênero;
os índices de todo tipo de violência contra mulher são extremamente elevados no Brasil (Anuário Brasileiro de Segurança Pública - a partir da página 126) e;
crianças e adolescentes são as mais vulneráveis ao estupro no Brasil, com 77% das vítimas com menos de 17 anos (Anuário Brasileiro de Segurança Pública);
38% dos estupros acontecem nas escolas, hospitais, vias públicas, banheiros e assim por diante (Anuário Brasileiro de Segurança Pública);
crimes sexuais são reconhecidamente crimes de oportunidade.
É inaceitável que a União dos Escoteiros do Brasil opte por colocar mulheres e meninas em risco em seus banheiros, espaços de vulnerabilidade para esta população.
Considerando os dados acima expostos sobre os riscos de espaços sem distinção por sexo para meninas, risco ampliado pelo fato das escoteiras estarem muitas vezes, durante dias, longe do cuidado de seus pais ou principais cuidadores, em espaços divididos por muitos jovens, menores de idade, solicitamos esclarecimento sobre as seguintes questões:
Meninas que se autodeclaram do "gênero masculino", ou de nenhum gênero, usarão barracas e banheiros masculinos?
Meninos que se autodeclaram do "gênero feminino", ou de nenhum gênero usarão barracas e banheiros femininos?
Adultos do sexo masculino que se autodeclararem serem do "gênero feminino" irão dividir os mesmos espaços de meninas, nos banheiros, barracas e vestiários?
As meninas que não quiserem dividir espaços íntimos com pessoas do sexo masculino, serão respeitadas?
Os pais serão avisados caso haja pessoas do sexo masculino dividindo espaços íntimos com meninas?
O direito a espaços separados por sexo, e o constrangimento de meninas, ao dividir espaços íntimos com pessoas do sexo masculino foi considerado na elaboração de tal política?
Enquanto Associação que zela pelos direitos de mulheres e crianças, solicitamos que a União dos Escoteiros do Brasil mantenha seus banheiros, barracas, alojamentos e outros espaços históricos separados por sexo, para proteção de mulheres e meninas.
Observamos ainda que na eventualidade de qualquer conduta criminosa nos banheiros e alojamentos femininos, perpetrada por pessoas do sexo masculino, poderá haver imputação de responsabilidade civil objeto a União dos Escoteiros do Brasil, conforme legislação em vigor.
Aguardamos,
Respeitosamente,
Diretoria da MATRIA
MATRIA - Mulheres Associadas, Mães e trabalhadoras do Brasil