No dia 27 de agosto de 2024, os Ministérios dos Direitos Humanos e Cidadania e o Ministério das Mulheres anunciaram um Acordo de Cooperação Técnica com o suposto objetivo de ampliar a inclusão nas políticas públicas voltadas para mulheres. Segundo os ministérios, esse acordo visa abranger o público “LBTI” (lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e intersexo).
A MATRIA se opõe a essa falsa inclusão, pois a sigla está sendo usada de forma enganosa. A inclusão da letra “T” (transexuais e travestis) representa a inclusão de pessoas do sexo masculino nas políticas e ações de defesa e promoção dos direitos das mulheres brasileiras.
Mulheres lésbicas, bissexuais e aquelas com diferenças do desenvolvimento sexual (popularmente conhecidas como parte do grupo intersexo) já fazem parte do público-alvo das políticas públicas para mulheres no Brasil, pois são mulheres.
A cooperação técnica, ironicamente anunciada no contexto do Dia da Visibilidade Lésbica, busca oficializar a inclusão de homens que se identificam como mulheres (com ou sem cirurgia de redesignação sexual) em uma série de direitos e ações que são exclusivas para mulheres. A MATRIA questiona por que os ministérios não explicitam que essa inclusão se refere especificamente a transexuais e travestis, preferindo gerar confusão e desinformar o público sobre o que está em jogo.
É também com muita preocupação que a MATRIA tomou ciência de que a cooperação prevê as medidas abaixo:
1. A atualização de protocolos de acompanhamento e monitoramento de denúncias pelos canais do Ligue 180, Disque 100, Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos e Ouvidoria-Geral do Ministério das Mulheres.
Atualmente, transexuais e travestis já são contemplados pelo Disque 100 para denúncias de violações de direitos humanos. Ao incluí-los no Disque 180, a Central de Atendimento à Mulher, e na Ouvidoria-Geral do Ministério das Mulheres, serão desviados recursos do atendimento às mulheres, com suas especificidades, a outros grupos, vagamente definidos.
2. Criação de protocolos e normas técnicas de promoção e defesa de direitos das mulheres LBTI;
Ao agrupar lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e intersexo em uma mesma sigla “LBTI” e produzir protocolos e normas técnicas comuns para esse “grupo”, os Ministérios estão, na prática, apagando as mulheres lésbicas e bissexuais pois misturam pessoas do sexo feminino e masculino no mesmo grupo. Pessoas transexuais e travestis já são atendidas pelo Ministério dos Direitos Humanos.
3. Produção de evidências a serem disponibilizadas para os órgãos públicos, orientando as tomadas de decisão e a elaboração de políticas públicas;
A ministra Cida Gonçalves anuncia que um dos objetivos da cooperação é produzir “evidências” para subsidiar políticas públicas. Nas palavras da Ministra, “Nós sabemos quem são as mulheres que geralmente estão na rua sofrendo violência policial. Elas têm cara: são as mulheres trans e as mulheres negras. Mas onde estão esses dados? Nós precisamos transformar isso em ciência e, depois, em política.”
Cida mostra desconhecimento da forma como funciona a relação entre ciência e políticas públicas. A pesquisa e a coleta de dados não existem para confirmar crenças, mas para submeter hipóteses a teses. Declarações como estas geram preocupação, pois tanto o MDHC como o MM têm um histórico de utilização de dados sem lastro para justificar tomadas de decisão.
Outra frente anunciada é a produção de “materiais informativos”. A MATRIA teme que, assim como outros materiais produzidos pelo MDHC e MM, esses materiais desinformem ainda mais o público, disseminando estatísticas falsas e distorcendo a linguagem.
4. Atendimento das “mulheres LGBTI” na Casa da Mulher Brasileira.
Segundo o MDCH, “a Casa da Mulher Brasileira, que já atende mulheres lésbicas, também deverá incluir atendimento humanizado e passará a fazer o acompanhamento de mulheres transexuais e travestis.” Com essa declaração, o Ministério admite que já há previsão legal para atendimento às mulheres lésbicas, reconhecendo que o objetivo dessa cooperação é tão-somente a inclusão de pessoas do sexo masculino nas políticas públicas específicas para as mulheres. A Casa da Mulher Brasileira oferece apoio psicossocial e alojamento para mulheres e suas crianças, em situação de violência doméstica. Muitas vezes o único refúgio disponível para essas mulheres. Receber pessoas do sexo masculino nesses locais é mais uma violência institucional que sofreremos.
Ao anunciar a cooperação, o Ministro Silvio Almeida declarou: “No caso das mulheres, isso fica muito evidente com a pluralidade, a representatividade e as várias ‘mulheridades’ representadas a partir desse conselho, o que faz com que a multiplicidade dessas vozes se torne o combustível central da construção das políticas públicas do Estado brasileiro no que tange as mulheres”.
Nós, mulheres brasileiras, não somos “mulheridades”.
Somos um grupo que sofre violências pelo nosso corpo sexuado.
Nenhuma menina de 13 anos é estuprada pois "se sente na mulheridade", ela o é pois é uma menina, possui um corpo de menina.
Apagar isso é apagar o motor das violências sexuais sofridas por todas nós.
Fontes:
Ministérios assinam acordo para incluir mulheres trans e intersexo em serviços como Ligue 180.
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/08/ministerios-assinam-acordo-para-incluir-mulheres-trans-e-intersexo-em-servicos-como-ligue-180.shtml>. Acesso em: 29 ago. 2024.
No mês da Visibilidade Lésbica, acordo de cooperação entre Ministério das Mulheres e MDHC foca nos direitos das mulheres LBTI.
Disponível em: <https://www.gov.br/mulheres/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2024/agosto/no-mes-da-visibilidade-lesbica-acordo-de-cooperacao-entre-ministerio-das-mulheres-e-mdhc-foca-nos-direitos-das-mulheres-lbti>. Acesso em: 29 ago. 2024.
Ministérios assinam acordo para incluir mulheres trans e intersexo em serviços como Ligue 180.
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/08/ministerios-assinam-acordo-para-incluir-mulheres-trans-e-intersexo-em-servicos-como-ligue-180.shtml>. Acesso em: 29 ago. 2024.
Cooperação entre ministérios prevê inclusão de mulheres LBTI em serviços como o Ligue 180 e a Casa da Mulher Brasileira.
Disponível em: <https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2024/agosto/cooperacao-entre-ministerios-preve-inclusao-de-mulheres-lbti-em-servicos-como-o-ligue-180-e-a-casa-da-mulher-brasileira>. Acesso em: 29 ago. 2024.